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hoje tudo muito português por aqui





O Fugitivo



«An harbour shall be

that is to be found

and - oh! ever again -

conquered.»



«Um homem corre na noite

é uma imagem banal

podia ser em Madrid

ou Johanesburgo, ou em S. Paulo

ou Budapeste, Nova Iorque

ou Hollywood

ou é claro em Portugal

um homem corre na noite

é uma imagem banal



Porque foge? De onde vem?

porque olha para trás inquietado?

será soldado? vagabundo?

criminoso? ratoneiro?

será apenas o primeiro

dos que vão fugir com ele?

foge p'ra salvar a pele

só a sua? a pele dos outros?

a pele clara ou a escura?

quanto tempo vai durar a sua fuga?

quanto dura? o que espera?

o que espera o homem- fera

se chegar a quem o espera?

alguém o quer? alguém se acende

alguém o chora?

alguém por quem ele chorou

chorará por ele agora?

alguém que nunca o trairá

e se sim, onde será?



Um homem luta contra o sangue

que derrama

e diz: valeu a pena?



Que os barcos

voltem a subir o Guadiana

vindos de longe

do mar



Que os barcos

voltem a subir o Guadiana

descarregando à passagem

todo o trigo

que o cavalo esbaforido

chegue à relva, sua cama

que o fugitivo

encontre seu porto de abrigo



Um homem corre na noite

é uma imagem banal

esgueirado de holofotes

com a estrada que atravessa

se confunde

com o breu o seu corpo

se confunde

e se passa num muro branco

fica branco como a cal

tal e qual

o camaleão

é uma imagem banal



Um homem luta contra o sangue

que derrama

em que cama

terá ele o seu repouso?

está ansioso? e como não?

não estaria quem pisasse

um desconhecido chão?

não estaria de garganta afogueada

quem por nada

assim fugisse?

quem por tudo suplicasse

dai-me forças, dá-te forças

a ti próprio te confias

dá-te alento, dá-te tempo

dá-te dias

sobrevive de agonias

respirando sobrevives

sobrevive



Um homem vive

contra o sangue

que derrama

e diz: vale a pena?



Que os barcos

voltem a subir o Guadiana ...



Um homem corre na noite

é uma imagem banal

porque insiste? porque teima?

não há pânico na rua

não há fogo no quintal

labaredas? só nas camas

dos amantes

já distantes

chegam ruídos, utopias

quanto vale uma utopia?

vale tudo? quanto vale?

um homem corre na noite

é uma imagem banal



O que fez o fugitivo? porque corre?

se está vivo é porque morre

se morrer é porque o matam

se o matarem ,será justo?

inocentes são os culpados de outros crimes

de que culpa?

de paixão? de inconsciência?

será justo ou não será

desbaratar a inocência

tão a custo conquistada?

porque corre o fugitivo nessa estrada?



E agora para para agora

o homem para

para agora para agora

será que sente que chegou a sua hora?



É impossível

não é possível

correr tanto

e pensar tão

lucidamente

o coração

não aguenta

a cabeça também não

porque tenta

ultrapassar os seus limites?

provavelmente

é por vontade de viver

(quente quente ...)

que ultrapassa os seus limites

«Estamos quites!»

diz para o seu coração

«Ainda não, ainda não ...

sentes que valeu a pena?

se te obrigam a fugir

mais te obrigam

a chegar junto de ti

valeu a pena?»



Sérgio Godinho



'brigadinhas zékafka ;)





3 comentários:

Anónimo disse...

ainda bem que caíu que nem ginjas ;-)
no s´tio certo, à hora certa.
e "os inocentes são os culpados de outros crimes"...
jK

Anónimo disse...

fugitiva d'"os inocentes são os culpados de outros crimes"..., à questão "valeu a pena?!" ao "ver o espelho do passado", lembrando os avisos - "põe-te em guarda", sabendo que "o coração já bateu para nada" "imitando gente" quando "faltou-me o pé, senti que me afundasse" "e a marca ficou lá"

fugitiva "um sonho que anda à solta": "espraiar, fazer a trança à calmaria" ;)

sim, eu sei, sou um herege, torço e distorço os trabalhos de mestres :/

Anónimo disse...

fugitiva d'"os inocentes são os culpados de outros crimes"..., à questão "valeu a pena?!" ao "ver o espelho do passado", lembrando os avisos - "põe-te em guarda", sabendo que "o coração já bateu para nada" "imitando gente" quando "faltou-me o pé, senti que me afundasse" "e a marca ficou lá"

fugitiva "um sonho que anda à solta": "espraiar, fazer a trança à calmaria" ;)

sim, eu sei, sou um herege, torço e distorço os trabalhos de mestres :/