sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

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Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

Mário Cesariny
in Pena Capital
Assírio & Alvim, 1957

SÚMULA


Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.

Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.

Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.

Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.

- Era uma casa - como direi? - absoluta.

Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.

Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.

As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
- Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.

Era uma casabsoluta - como
direi? - um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.

- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.

Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.

Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.

Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.

Herberto Hélder
in Ou o Poema Contínuo
Assírio e Alvim, 2001

2.

tombo as carnes – sinto-as escorrer dos ossos
e o mar ressoa na minha cabeça como uma imensidão
de noites: Ah, as noites pétreas e pesadas
que impossíveis nuvens não sustentam
e dunas que dormem à noite ao luar
quando gostaria de anunciar a vaga toda
que rompe dentro de mim violenta
como todas as vagas, mesmo as mansas
e brandas que trazem a persistência da erosão.

Carlos Veríssimo
A fuga do peixe melancólico
edição de autor, 2012

Apanhado em fragrâncias

cinzelar a burrice juvenil
entontecido na melancólica bicicleta
percorrias

os frios provinciais cuidando
distinguir uma pontinha já de Primavera; em vez dela tombavas
no incalculável prejuízo dos versos, moléstia à parte
e na estação errada

sempre as laranjeiras flóreas, cúmplices
caladas na incumbência de produzir a imperceptível alegria
que recendia sem parar na fiada odorífera das ruas
também o lumaréu dos limoeiros

desprendendo
cheiros que portões de ferro, caiados muros
puderam nunca aquartelar

e em Lisboa, apeado no imaturo homem
bárbaro, barbado em que te mudaste, a fumarada das sardinhas
avioletou na doçura dos jacarandás; o sexo
agora vezo e hálito, exala a ácida variedade
que nunca te nauseou

depois os europeus odores, centrais
ou varado nos velhos comboios do Leste
porcos, gastos, alvoroçados

lavatórios do mundo onde lavaste as cuecas
evitando tocar nos ralos

tudo para chegar hoje a uma ideia de Índia
suposta, sonhada, odor infindável de um sem-fim
perfumado, onde pudesses compreender

a colorida arquitectura do ar
a suave dimensão da espessura
a girar no vazio um dia inteiro


Miguel Manso
livro em preparação, 2012

Paraíso Perdido

É o bibe é a trança
a lisura da anca
a doçura da pele a pastel de nata

Os dedos erguidos num aceno
de esperança
o sonho onde o lince lhe devora a ilharga

É a mãe sem saber
quanto o belo lhe pesa
a avó a arranjar o pão com marmelada

O sino que ao longe
diz da missa e da reza
na igreja onde sempre entrará aterrada

É a gola de renda a picar
no pescoço
o livro lido às escondidas

As histórias escritas no caderno
e o osso
do corpo voraz onde a vida se afirma

É o medo do escuro
porque o quarto vacila
uma noz uma nau no peito em alvoroço

A paixão de organdi
quando a rosa retira
o espinho envenenado do avesso suposto

É o gosto do verso
seduzindo a insónia
alinhavo da alma com bastante amargura

O sabor derramado
a gardénia e no bolso
o cheiro a glicínia ou a coisa nenhuma

É o nervo à flor
de um suor resguardado
debaixo dos braços ou então nas virilhas

Os pulsos estreitos
os joelhos suaves
frutos de uma magreza talvez doentia

É a história inventada
que a culpa condena
o poço da morte só de madrugada

A febre que a toma
e valseia com ela
a aperta nos braços e a deixa quebrada

É o som e o susto
a torpeza do hálito
a lâmina furtiva onde o gesto se afia

A cicatriz da fuga
porque o fio vem doendo
fazendo-a teimar como quem desafia

É o suco o vacilo
o caroço do cuspo
na palma das mãos que o tempo confirma

O sol da manhã a acordá-la de súbito
fazendo-a recordar tudo aquilo
que queria

É o extremo vagar que a memória conhece
mais tarde o abandono
a deixá-la sozinha

Paraíso perdido
com a pressa onde cresce
a tornar-se mulher sendo ainda menina


Maria Teresa Horta
fonte
24.

agarro-me
ao trono

alguma coisa falta ainda

para sonhar ou esquecer
sob um manto de chuva
ácida

lá estarei
uma vez mais.


Carlos Veríssimo
O peixe melancólico
edição de autor, 2012

A matéria das palavras [às portas de (mais) um novo dia]


Estamos aqui. Interrogamos símbolos persistentes.
É a hora do infinito desacerto-acerto.

O vulto da nossa singularidade viaja por palavras
matéria insensível de um poder esquivo.

Confissões discordantes pavimentam a nossa hesitação.
Há uma embriaguês de luto em nossos actos-chaves.

Aspiramos à alta liberdade
um bem sempre suspenso que nos crucifica.

Cheios de ávidas esperanças sobrevoamos
e depois mergulhamos nessa outra esfera imaginária.

Com arriscada atenção aspiramos à ditosa notícia de uma
                                                       perfeição

especialista em fracassos.

Estrangeiros sempre
agudamente colhemos os frutos discordantes.


Ana Hatherly
Pavão Negro
Assírio & Alvim, 2003

o desespero do desemprego [via louzanimales]

"Peço ajuda urgente para a minha familia de 4 pernas. Dentro de 15 dias tenho de deixar a casa onde estou e ainda nem sei bem para onde vou.
Desempregado e sem subsidios, penso que irei para um quarto em casa de um amigo. Não poderei levar os animais. Duas cadelas com 1 ano, não esterilizadas, a mãe delas esterilizada e que sofre de epilepsia, um gato e uma gata, irmãos esterilizados.
Todos estes animais sempre estiveram em casa, pelo que não sabem o que é a rua. Todos se dão maravilhosamente bem entre si e são doceis e amorosos.
Adoro estes familiares, mas a vida deu uma volta enorme e estou obrigado a fazer o que nunca pensei possivel. Se alguém puder ajudar, estes 5 animais agradecem (e eu também). Estou em Casa Nova, perto de Semide na região de Coimbra.
Aguardando um milagre, Carlos David Martins carlos@comboiodigital.com"
(Gaia, Luna e Petra nas fotos. Clique na imagem para aumentar.)
photo encontrada por aí, sem referência

Facto diverso


Discretamente fui ontem almoçar
ao lado do meu tumulo
levei para o acto um ramo de papoilas
que guardava lá em casa há cerca de oito anos
para qualquer momento circunstancial
(sempre me considerei digno e respeitador
dos insultantes bons costumes)

Lá estava gravado na pedra de Estremoz
EUROPA – MAIS UM DIA
era certo e fora um trabalho bem eficiente
em elzevir escolhido e sem defeito

Sentei-me sempre tive esse costume
e fiquei a olhar inquisitivo para a Europa
donde nunca consegui sair
mesmo quando pareço estar remotamente longe
fiquei a olhar para São Paulo
fantasma búlico mal traduzido do americano
que se apaga triste e sem figura
com a presença leal e muito nítida
de Londres de Paris de Moscovo
de Lisboa menina sorridente e milenária

e sentámo-nos

à esquerda Cesariny
recém-chegado de beber uma cerveja no Inferno
à direita o Erol Isin
recém-fugido dos lobos de Istambul
onde para urinar se caminha entre a neve
com uma Luger na mão
e um aviso no sexo (PROIBIDO DEVORAR)

e olhámos
o elevador de Santa Justa parecia indicar
a verticalidade rápida de menos dois tostões
noticiando o Tejo e a sua ponte
(muito para mostrar aos do Brasil e de Lesoto)
Lisboa (António Maria) sentou-se ao nosso lado
Sentados
Todos sentados e continuando a respeitar as leis
ficámos
a ouvir o noticiário meteorológico
Campo de Ourique algumas nuvens com precipitação provável
Rua do Norte alta pressão isobárica
Rocio o costume
Cais do Sodré frente fria em evolução
com alguns barcos para o Barreiro e muitos nabos
abrimos
uma lata de enchovas
esfregámos os pés no azeite (enlatado de exportação)
e alimentámo-nos confortavelmente
enquanto escrevíamos cartas
à família mais próxima é evidente
e tentávamos absorver
através das palhinhas made in Japan
alguns tragos de vinho do Cartaxo
recém-desembarcado do vapor

Lembras-te menina
Como foram rigorosas
as nossas noites de amor?


É preciso não esquecer que o processo de crescimento
da humanidade
é metálico
daí os fornos crematórios
e os vários campos de concentração mais ou menos repelentes
Sentados olhávamos

Um gato sorriu atrás da porta e espreguiçou-se
escreveu taquigraficamente um salto no espaço
e propôs-nos um jogo de encontrar
depois seguiu a aventura de ser ele

A rua da Palma parecia uma mentira inesperada
enquanto assávamos sardinhas e pimentos na escada de pedra
e alguém dava um pontapé numa bola de trapos
que rolava para a praça seminocturna

Escrevemos mais cartas
desta vez aos amigos distantes
e a alguns membros das polícias excessivamente secretas
que tentam decifrar a grafia do voo dos pássaros

Lembras-te
quando partiste?
Levavas um casaco muito branco
e enquanto pisavas os degraus
sorrias
como uma navalha de Albacete

Os automóveis passavam com procissão obsessiva
anunciando apenas um dia febril
enquanto pessoas muito pessoas
pernas dedos dentes
traçavam no solo o diagrama
de mais uma tentativa simplesmente quotidiana

As ruas deslizavam calmas
como quem volta do teatro e vai dormir
Animoglu Sok
Gonçalves Crespo
New Oxford
Gorki
Gregoire-de-Tours
Animoglu Gonçalves Oxford Gorki-de-Tours

Só uma rua imensa possessive
mostrando caminho até ao fundo do espaço
com sinais cabalísticos em cada esquina
e cartazes ofertando maravilhas
cigarros congressos políticos preservativos requintados
sabonetes retratos de assassinos
circos de cavalinhos aguardentes antiquíssimas
máquinas de computar a morte
lutas de mulheres laxantes infalíveis
Sorrimos
O Cesariny levantou-se à minha esquerda
e partiu para mais uma cerveja no Inferno
o Erol Isin à minha direita ergueu-se
e lá se foi
voltando a um Bósforo cor de corno e mar
só o Lisboa
metendo um cágado no bolso
e dando a mão a um menino
ficou à minha espera

mas não me levantei
não tenho pernas

Lembras-te
como amei Fipsy?
Deves contar isso a alguém
Fica-te bem.




Novembro – 69

Poema de Mário Henrique Leiria a acompanhar carta enviada a Mário Cesariny em 1970
(primeira publicação do poema, na revista surrealista holandesa «Brumes Blondes», número 3, 1972, en versão francesa de Isabel Meyrelles)
in António Maria Lisboa, Pedro Oom, Mário Henrique Leiria – Três Poetas do Surrealismo, Exposição Ícono-Bibliográfica,org. de Mário Cesariny
Biblioteca Nacional, Lisboa, 1981

oh, me loves her a lot!

photo publico.pt

Portugal é uma paragem obrigatória nas suas digressões. Consegue explicar porquê?

Não sei. É um lugar onde me sinto confortável, porque trabalho com histórias muito compridas e aqui as pessoas gostam de palavras.


publico.pt

[post surripiado na íntegra]

pessoa e local assaltado: no

Conversas

Uma lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e uma pessoa é mais alta à noite.
Muitos temem mais as suas fobias do que a própria morte.
O vítreo Rei de França temia quebrar-se.
Os eunucos chineses mantiveram os seus túbaros em espírito.

O teu cérebro pode sangrar num único espirro.
Uma lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e uma pessoa é mais alta quando se inclina,
o Donald Duck foi uma vez expulso da Finlândia
por não usar calças.

As suas patas eram só penas como as da Margarida
mas nenhuma avestruz enterrou a cabeça na areia.
A cura do escorbuto foi encontrada
para logo se perder ao longo das teorias médicas.
O Começo é um estático som branco.

A lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e lémures e macacos capuchinhos
dão uma centopeica volta até desaparecerem
nas suas poderosas secreções.

O coração de um esplendoroso cavalo abranda.
Um facto é uma pequena fé,
uma leve impressão sensorial para animais, poderosa para os homens
mesmo que seja verdadeira, mesmo quando verdadeira –
nós lemos estas leis em Isaac Neurónio.

Uma mulher teve sessenta e nove filhos.
Alguns leões acasalam cinquenta vezes ao dia.
Napoleão era viciado em vitórias.
Uma lua-cheia nasce sempre ao pôr-do-sol.
Os soldados podem agora seguir o caminho de casa.

Les Murray (Austrália, 1938)
in Taller When Prone (2010)

(tradução da Ana Salomé)


Enquanto a meu lado dormes

Gustav Klimt, A Árvore da Vida, 1909
por


Enquanto a meu lado dormes e, como de hábito, tens pesadelos
da minha boca sobe um balão de ar quente por onde fugimos os dois até ser claro
e a noite ser brincadeira de espuma na rebentação dos cabelos
O sono pérfido, nocturna suppressio, não te inquietará mais
do que a infinitesimal passagem do insecto pelo tempo
Guardiã dos espelhos das tuas mãos
conto-te coisas que minha mãe já ouviu contar
Damas pé-de-cabra e um ancinho aplanando as terras jardinadas
a vez em que me abriram uma cova e prestes a morrer
fui descalça correndo em tua direcção
ainda tu não existias
e o amor era um cavalo de muitas cores.






para ti :)*

panóptico, George Orwell e o vosso* ministro da Educação e Ciência

«Na semana passada, cometi a imprudência de usar uma palavra contra a qual o Acordo Ortográfico dispara com uma fúria cega as suas regras de aniquilação e entra em desvario: a palavra ‘panóptico’, que designa uma arquitetura carceral, o panopticon, imaginada no século XVIII por Jeremy Bentham. Quem reviu o texto emendou para ‘pan-ótico’, por analogia com outras palavras formadas com “pan” que levam hífen. Mas o mais importante é a supressão do ‘p’, que parece obrigatória, segundo o AO. Ora, tratando-se de uma palavra que sempre teve um uso culto, nunca conheceu outra pronúncia que não fosse a da “norma culta”. Ou seja, “panóptico”. Mas ninguém, nem sequer quem reviu o texto, tem obrigação – e os meios, porque não se fixou ainda um vocabulário ortográfico comum – de saber tudo aquilo que é necessário para aplicar corretamente uma das muitas exceções que o AO consagra para tentar salvar as suas regras: teria de saber que em todo o espaço da língua portuguesa a palavra se pronuncia com ‘p’ e que, por conseguinte, não há lugar à supressão da consoante, porque ela não é muda (note-se que tal saber impossível também é requerido para o uso das muitas facultatividades).  
Uma amiga brasileira confirmou-me por e-mail: “Nós aqui dizemos e escrevemos ‘panóptico’ como vocês.” Como vocês? Isso era dantes, porque o AO, estúpido como é – de uma estupidez cómico-grotesca –, promove constantemente erros de hipercorreção, sem fornecer meios que os possam evitar. E, hipertélico, acaba por ir além dos seus próprios fins e anulá-los. Sem o ‘p’, a palavra refere-se à audição e não à visão, ou então é usada no campo da química para designar um corante. Não é tudo isto absurdo, próprio de uma terra onde Ubu é rei, ainda por cima quando temos um ministro da Educação e Ciência que, antes de o ser, corroborou famigeradas denúncias de “imposturas intelectuais”?»


António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 12.5.2012

via Fallorca

* o mesmo pedido: condescendam, por favor, ando em negação de tipo “este políticos não são meus”

Comunicado: Empresa ataca liberdade de expressão em Blogue dos Precários Inflexíveis

O movimento Precários Inflexíveis foi alvo de uma Providência Cautelar pela empresa Ambição International Marketing. Esta empresa, dizendo-se injuriada por vários comentários (escritos por centenas de pessoas) num post de denúncia, avançou com um processo em tribunal para forçar o movimento a apagar todos os comentários do blogue. Independentemente de serem ou não contra esta empresa, independentemente do que está escrito, a empresa quer que seja apagado cada um dos mais de 350 comentários.

Infelizmente o Tribunal colocou-se do lado da empresa de forma mais do que inesperada: na sentença proferida, condena o PI a retirar não todos, mas muitos dos comentários escritos pelos cidadãos que por vezes nem sequer referem a empresa. Como sempre dissemos, nunca faremos qualquer censura nem julgaremos ninguém pelas suas opiniões. Por isso, discordamos frontalmente da sentença executada.

Apresentamos alguns factos:

- A empresa em causa, Ambição Internacional Marketing, exige que se retirem os comentários sobre um texto que é sobre outra empresa, Axes Market, e não sobre qualquer texto em que fosse citada.
- A Ambição International Marketing, que avançou com o processo, nunca pediu direito de resposta ao PI e nunca dirigiu qualquer carta ou contacto ao movimento.
- Nenhuma das empresas (ou talvez a mesma com nome diferente) avançou com qualquer processo ou queixa contra quem escreveu os comentários. Portanto, o que preocupa a administração da empresa é a liberdade de expressão na internet. O mesmo preocupa o Tribunal.


O resto do comunicado está disponível em "Ler mais".

Sentença disponível aqui.


O movimento Precários Inflexíveis defende e defenderá sempre a liberdade de expressão e a igualdade na exposição de textos e ideias, críticas, ou outras, na internet, salvo excepções sobre textos violentos sob qualquer ponto de vista: físico ou social. A internet deve continuar a ser um espaço de liberdade e igualdade.

O PI vai reagir judicialmente, porque não aceita que o Tribunal e a Justiça sejam instrumentos para afirmar que as empresas podem exigir que os comentários negativos sejam apagados ou que os seus textos e marcas valem mais do que as opiniões e denúncias dos cidadãos. Particularmente quando centenas de pessoas denunciam actividades suspeitas de empresas como esta. A liberdade é a base da democracia, porque, antes de mais, significa igualdade. Lutaremos por elas até ao fim.

Pedimos a divulgação ampla desta luta que diz respeito a todos e a todas – é a luta de quem defende a liberdade e a democracia no espaço público, virtual ou não.

+ link para o PDF dos comentários que os tipos também querem acautelar : http://aventadores.files.wordpress.com/2012/05/precc3a1rios-inflexc3adveis_-testemunhos-sobre-a-axes-market.pdf 

Cat People


Curiosa a tribo que formamos, sós
que somos sempre e à noite pardos,
fuzis os olhos, garras como dardos,
mostrando o nosso assanho mais feroz:

quando me ataca o cio eu toda ardo,
e pelos becos faço eco, a voz
esforço, estico e, como outras de nós,
de susto dobro e fico um leopardo

ou ando nas piscinas a rondar –
e perco o pé com ganas sufocantes
de regressar ao sítio que deixei

julgando ser mais fundo do que antes.
A isto assiste a morte, sem contar
as vidas que levei ou já gastei.


Margarida Vale de Gato
Mulher ao Mar, Mariposa Azual Lisboa, 2010.

eis que

à laia daquelas mães que enviam as fotos das criancinhas para o canal Panda,
submeti o Manjerico como Literary Cat et voilá!



Some people don't dance, if they don't know who's singing,
why ask your head, it's your hips that are swinging







Não. Assim, não.

juramento de Hipócrates
De facto, o modelo “ofender a dignidade dos cidadãos a qualquer custo“ está a ser largamente praticado pelos vossos* presidente da república e primeiro-ministro. Não seria de esperar atitude mais digna de um chico-esperto do marketing contratado por um palerma da propaganda médica.


#1 Pelo que li, há questões de rigor científico que não estão asseguradas na campanha e isso é grave

#2 Por favor, não ofendam a nossa inteligência, as empresas farmacêuticas/de dispositivos médicos não têm em primeira linha a causa mas antes a €causa$

#3 Ao Sr. Rui Reis (investigador e presidente da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular), tenho a dizer que é importante não dizermos patetices como «Não “vê nada de mal no anúncio”» e sugiro que volte à escola de ética ou deixe de ser dissimulado pois, apenas por ignorância ou fingir cegueira é que não se identifica a maldade inerente

#4 À personagem André Gomes (administrador da Crioestaminal) pergunto: se a intenção é «precisamente provocar este debate, na medida em que “85% das células do cordão umbilical não vão para bancos privados ou para o público, mas para o lixo”» porque é que a campanha se dirige especificamente aos pais mostrando uma criança num cenário de hospital e não mostra antes uma mesa de ministros e administradores hospitalares a serem questionados?

#5 Também ao ser vivo referido no ponto anterior, peço novamente que não tente ofender a nossa inteligência com isto: “Se reparar, nunca se diz para os pais escolherem a Crioestaminal”

#6 Ainda ao mesmo respirante, um conselho: se pensa que “têm sido mais as críticas positivas que as negativas” tente rodear-se de pessoas diferentes das do habitual pois pode estar a limitar o seu leque de opinião, mas isto é um conselho apenas tendo em conta que esteja a falar verdade e tenha vontade sincera de fazer um trabalho melhor pela tal causa. De nada, o conselho é totalmente grátis.

#7 Isto não encaixará num qualquer tipo de "Bullying a futuros pais" (chamemos-lhe assim)?

#8 A futuros pais: a minha solidariedade, não deve ser fácil lidar com propagandistas agressivos numa fase tão bonita e ainda assim tão frágil e periclitante.

nota: acabaram de assistir a mais um momento [margarete não poupa no latim, podia ter simplesmente dirigido a seguinte pergunta aos seres vivos da Crioestaminal: sois apenas uns energúmenos ou umas bestas?]

* condescendam, por favor, ando em negação de tipo “não são meus”

adenda em 21/Maio: "O deputado bloquista João Semedo exigiu esta segunda-feira junto do Instituto do Sangue e da ERC a suspensão imediata da campanha da Crioestaminal e a abertura de um inquérito por violação da lei da publicidade." e... "Crioestaminal suspendeu anúncio polémico"

O Dia da Espiga

imagem dali
Não vou mentir, nem pôr com meias-medidas: ser filho de emigrante é difícil. Na melhor das hipóteses, o que nos pode acontecer é ter este maldito sentimento ambivalente de se querer fazer a vida em ambos países. E isso sou eu e mais alguns. Há pessoas a quem a coisa fica mais difícil, mas não me apetece falar do contrário de fácil. Apetece-me falar de rir e do sentimento de se ser a sorrir.
Ontem foi dia da espiga o que, apenas pelo nome, me remete a 1981, ano em que vim com os meus pais e irmã viver para Portugal. Lembro-me dos ramos de espiga nas minhas primeiras observações das casas. E lembro com tanta ternura os nossos passeios do dia da espiga. Ah, benditas professoras que apanhei naquela escola primária. Era tudo a preceito, até os puxões de orelha, isso é conversa para outro dia mas quero já deixar bem claro que só levei um e foi merecido, vá.
Cheguei de Toronto, duma grande escola de cidade com as condições físicas que as nossas escolas começam a ter agora, essas tão mal-amadas do “projecto escolar” e fui para uma escola de aldeia com duas salas. E era linda, eram ambas lindas, as minhas escolas da primária (estão agora a ver o drama de ambivalência desta moça?). O chão espinhado de madeira, as janelas enormes, a salamandra ao canto, as carteiras ainda com tinteiro, os cheiros, oh, as madeiras, o cheiro de lápis de cera cisne e lápis viarco e papel e borrachas pelikan, e o pinhal que entrava pela frente da escola e os eucaliptos por detrás, e nós de bata lavada, como gostei daquilo, vivi tudo ao pormenor. E as brincadeiras. O ringue, o lobo na serra, o macaquinho de chinês, o limão, e a triste viuvinha.
A vida portuguesa cedo nos mostrou o choque e eu não estava distraída, vi bem a minha mãe e a minha mana, cheguei a rezar à noite para que voltássemos para o Canadá, precisava de as ver felizes de novo, mas o ar que recebeu as minhas orações não me ouviu e nós fomos ficando. E eu sem dificuldades de adaptação. Ia dar de comer aos porcos com o meu avô e brincava horas sozinha porque os outros meninos não eram autorizados, tinham de ir para as fazendas, ou tratar de irmãos mais novos ou, simplesmente, aproveitar o resto da luz do dia para fazer os trabalhos de casa e evitar o petromax. Mas era feliz, tinha muito para fazer lá pela aldeia. Até um cão eu passei a ter, e depois outro e outro e, pronto, nunca mais deixei de ter bichos na minha vida.
E adorava a escola e os seus rituais: pedir a bata à minha mãe quando a outra ia para lavar, o saquinho de pano onde levava o papo-seco com manteiga ou marmelada, a minha mala da escola, o leite que nos davam na escola numa caneca de plástico, havia de várias cores. E, depois, a envolvência dos dias festivos. Adorei aprender os costumes de cada data. E as palavras, lembro perfeitamente de aprender a palavra “consoada”, por exemplo. O dia do bolinho e a saca do pão mais bonita, imaculadamente lavada e impecavelmente engomada. E os dia da espiga. A sensação era sempre de que vinha mesmo a calhar. A Primavera iniciada, a vontade de estar mais tempo no recreio do que na sala de aula, a eternidade de tempo que ainda faltava para o início das férias grandes (em Junho, oh santa noção do tempo que as crianças têm), todos estes factores juntos faziam do dia da espiga um acontecimento maravilhoso. Lá íamos nós para a escola nessa manhã, com outro acordar. E eu sabia que era uma coisa que vivia porque vim para Portugal. O resto, o passeio pelo campo com as professoras, podem imaginar, basta aceder ao vosso imaginário bucólico. Naturalmente, ao voltar para a sala de aula, fazíamos um desenho e escrevíamos uma redacção: O Dia da Espiga.

eu sei que já postei, aguentem-se pois, esta música com este filme é o universo a conspirar a meu favor


Dia Internacional Contra a Homofobia


homofobia mata
 
 não há "formas pacíficas" de homofobia

a homofobia mata!

clicar para aumentar


Olh'ó pugrama das festas em Coimbra

«concentração às 17h no Jardim do Mosteiro Santa Clara-a-Velha, a saída pela ponte de Santa Clara em direcção à Portagem às 17h30, a Leitura de Manifesto e o “Beijaço I” às 18h30 na Rua Ferreira Borges e, por fim, a chegada à Praça da República às 19h30 como uma segunda sessão do “Beijaço”.

Depois da marcha há ainda um arraial a começar às 20h no Jardim da Sereia e a “Festa Fora do Armário”, com “show de transformismo”, a partir das 23h no Pop Fresh, junto à Praça da República.»

é apenas o concerto todo :)



B. Romain

awww :)

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o blogger deixa-me pintar os caracteres de branco, mas a cábula original é esta:


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estou triste como a noite, como diria a minha avó


sinto que perdi um amigo, mas nunca o conheci
tive a oportunidade de o ver ao vivo algumas vezes e a felicidade de o aplaudir dizendo "obrigada! obrigada!"
estas expressões tomam uma dimensão tão real que faz doer: morte prematura; choque; perda para a humanidade; consternação; desolação; tristeza; incompreensão

no limite da irrazoabilidade, quando soube, na 6ªfeira cerca das 17h ouvindo a Antena 2 no carro, tive uma reacção péssima, achei que qualquer coisa de errado havia com o radialista que teimava em anunciar o "desaparecimento" de Bernardo Sassetti, que absurdo!, pensei
entrei no registo: "não quero aceitar esta partida", como se pudera adiar esta mágoa
uma mágoa que, diferente e para além da da família, pertence a estranhos quando alguém se apresenta de forma tão grande na sociedade

vai fazer-nos muita falta, este homem
estou triste como a noite


é divulgar isto/ denunciar

via Mr Lisbon

A RESPOSTA A ESTAS PERGUNTAS NÃO PODE SER "É O RESPEITO PELO DIREITO À DIFERENÇA" 

1 - Durante quase dez anos, o que andou a ser discutido e julgado no processo-Casa Pia? 
2 - O que justifica que o que é considerado comportamento criminoso para todos os cidadãos de um país possa ser objecto de excepção para uma particular comunidade? 

my middle finger might salute you

 t-shirt

“Não queremos perder vendas (...). A prioridade é a venda, não é o lucro”, justificou, em entrevista à SIC Notícias, Alexandre Soares dos Santos



Eu não minto, não engano, nem ludibrio os portugueses”, respondeu Vítor Gaspar



dois homens cheios de virtude(s)
isto comove, pá

poema plástico



Carlos Veríssimo

Não entendes aquelas parras largas a secar cobertas de poalha azul do sulfato


Eu trazia o livro comigo num dos nossos encontros, mas não foi dessa vez que te mostrei este excerto. Foi depois, online, evoco o quão maravilhado ficaste, estavas. E entusiasmaste-me. E talvez tenhamos brincado com a minha pergunta: Quantas vezes dissemos curriculum vitae?
Vou lendo e relendo a tua escrita, devagar como se fosse possível enganar-me.
E questiono-me acerca de alguns pressupostos da memória que vou lendo por aí. 
Não chego a conclusões nem a ideias com corpo, e fico de roda da sugestão de que as palavras são os últimos resíduos dos que um dia foram vida em nós. Mas distrai-me mais a vontade de ter como te enviar mensagens ou talvez seja o que me traz o coração a bater tão forte (?) ou talvez lhe chame apenas um dor "cerimoniosa". (não sei)

 ~


Tu vais por uma vinha afora, que é vinha grada por todos ao lados, pela tua frente, pelo teu detrás, pelos lados, até perder de vista. Não entendes aquelas parras largas a secar cobertas de poalha azul do sulfato, nada as rilhou e as uvas ainda pequenas e inteiriças mas secas, cachos mindinhos como que de amoras verdes gigantonas mas palha, os galhos que é uma força, o lenho escuro deles a mal distinguir-se da negrura das folhas ressequidas, dos bagos secos como semente de cânhamo. Por cima daquela terra sem água, bocarras pretas a abrir-se onde o zebrado das fendas é mais profundo, regos finos como os de palma da mão a abrir trilhos de abismo a abismo. E em cada pedaço inteiriço da terra barrosa, vermelha, morrões secos a rilharem debaixo dos teus pés descalços carmesins do pó dela, alevanta-se airoso e carregado de pó um novo pé de videira.

Maria Velho da Costa in Casas Pardas



a pessoa e divindades num tempo, num espaço, numa forma

(estar atenta, ou, porque não estou sozinha: estarmos atentos)

I. Teorias
O emergir de grupos radicais em tempos         de tumulto
é          um fenómeno               esperado,         óbvio,              de fácil
implementação.                        Ao contrário das dúvidas
que nos assolam                     em provérbios face às bruxas,
estes existem.                                      Sempre existiram,
mais ou menos assumidos,     são nossos vizinhos.                 Todos
sabemos disso.            Eu,       por vezes,                    gosto de ficar  

a um canto       a brincar          à infância,                    sem fingir
preciso de me distrair   deles.               Para sobreviver
a uma existência                     zangada,          coisa que não é para mim,
pois cansa                              sem consumir
as energias       devidas,        de vidas
leva os restos                         de dia              pelo cano abaixo.

Há já algum tempo,                 recusei as preposições
de passar pela vida                 de forma          incompatível
com o meu corpo.                   E não me confundo
com teorias      tortas              no hedonismo.

II. Crítica das Certezas
Em parecendo que estou cheia de certezas,
não estou,
e estou,                                   obviamente.
Faz parte         a contradição,
para que seja equilibrado
e seguro,
porque é mesmo de segurança que falo.

E da amabilidade         e da ideologia.
E de sinceridade          e da ideologia dela.
E do adormecimento                                     e da pretensão
                                                                       de se ser
                                                                       um ser              acordado.
E da mediocridade       que,                           obviamente,
tu
que lês
não tens.
E dos poetas, que também eles usam deus.
                                                                      

E, em exemplo de certeza: as teorias radicais
jamais
nos podem garantir deus,                                 pai,
também elas têm um buraco, e é                      um buraco
que vem tocar directamente, sem desvios,
nos nossos corpos.

E eu,
isso,                             não deixo
que aconteça.

III. Afirmação
Antes a morte.

E é uma pequena morte
que acontece
naquele momento                     em que, conversando
com alguém
que destapa                 o véu,
e, depois de uns segundos de impasse,
somos forçados           a optar
por uma das hipóteses:

fazermo-nos de parvos;
sorrir sem aceder;
marcar posição.

IV.  Ludo
Nunca fui muito boa com jogos.

Talvez me safe em jogos          de “palavras
      proibidas”

mas isso está justificado           pela deformação
profissional no que respeita uma certa    ginástica
   lexical.
Portanto,                     acreditem,        nunca fui muito boa
com jogos.

Acontece que nos exprimimos mal

– nós, os maus a jogar,

ao dizer
correntemente              “não sou bom (ou boa)
       com jogos”.
E creio
que,     alguns jogadores          não entendem
isso,
o que os deixa                         em desvantagem. Nós
até podemos ser bons
”com”
jogos,                                      não somos bons
é a jogar
propriamente,                                      no campo de batalha
somos uns nabos
mas isso                                  não quer dizer que não sejamos
        bons
na análise do jogo, por exemplo.          Ou seja,
e indo
ao cerne da questão:
sou boa a analisar jogos, e provavelmente
só não sou boa a jogar porque é enfadonho.
Medir forças é chato, é uma seca.

          (e ninguém é bom juiz em causa própria) 

V.  Abstracção
Confesso que até o entretenimento de observar

pessoas a medir            forças
se tornou demasiado    batido.
E é verdade que        encontro
poucas       zonas    humanas
isentas            de competição.

VI.  Ciúme
Começando pelo fim:
até nas artes,                ladies and gentlemen,
até nas artes,                se medem forças.
Ou antes:                      ladies and gentlemen,                       
começando pelas artes.

VII.  Ciência
Dirão os teóricos das medições
de forças
que estas são               o mote da evolução,                            do seu crescendo.

Mas ‘inda não cheguei
a uma lógica                 que sinta
nas peles do meu

corpo. Quando muito, sinto
na minha mesquinhez, mas passa
tão rápido. É tão efémera a vitória.

VIII. Imaginários e cisma 
Ou seja, não quero ganhar – nada – a ninguém.

Ou, para ser mais                    honesta e menos                      hipócrita,
não quereria
ganhar
– nada
– a ninguém.

Sem ter
de estar
no meu canto
a evitar
o confronto,                 desejaria          poder   mover-me
sem ter de fazer           o silêncio         que faço
     quando alguém
tenta velar um triunfo                a que se declara.

Chega a ser
      cá
      duma canseira             ter de fingir
que sim,
que ganhaste
a tua batalha imaginária.

Tu ou ele, aqueloutro, daqui e dali. 

XIX.  Preferências
Enfim, tudo isto para explicar   porque             é          que,
tu – tu mesmo, exacto,
és a minha pessoa                    preferida: tu
tu mesmo, não jogas.

E isto sem falar dos      “porque”      que se podem ler
no poema da Sophia,
acrescido
de mais alguns
que logo te direi. Para o caso
de não saberes,
mais logo tos direi. 

E és a minha pessoa
         preferida.

Contigo            não tenho         de estar no canto
(nem,   muito menos, chutar     para canto).
Não se trata de baixar armas,
como quem fala de defesas. Não
é um baixar
da guarda
temporário,        onde                       jogos são logo-logo retomados.

Tu,       simplesmente,   não jogas.
E eu,    simplesmente,   divirto-me        a aprender-te.
É verdade
que fico embaraçada por ver o engano            nalguns
que até a palavra
“imberbe”        podem tentar
incluir nessa sintaxe. Por vezes, ficamos
embaraçados
pelos outros,                não é? É possível este exercício
de estimar dias                                 pelo embaraço
que outros causem em nós: 
se é um dia com poucos embaraços, esteve-se bem rodeado;
se é um dia com muitos embaraços, urge chutar para canto.

X. Feitio  
E esta inspiração toda a somar parágrafos
sobre os radicais          e os jogos        e os chutos,
onde muitos já se perderam, para dizer que não
há como:

chegar a casa ao final do dia,            mandar cantar um cego
e mandar calar os energúmenos
que se dão ao luxo de desprezar o conforto
garganteando o seu negócio cheio dele,
do ócio, afinal;

chegar onde me trazes uma casa
onde posso atentar
aos misóginos do sexo
aluado sem potência, por isso mesmo,
aluado;

chegar onde me trazes a inteligência
que ris para dentro das palavras
dos que gostam de dizer
“imberbe”,
e estar nessa casa onde me acordas
para dentro da verdade que, explicas-me,
os que dizem “imberbe” fazem-no
por feitio, não por defeito;

e depois, saber que é por isso
que não pode haver lugar
para o radicalismo
e peço desculpa à humanidade
por me distrair amiúde;

XI.  Um pouco mais de conciliação
peço desculpa;

desculpa-me;

e eu desculpo,                         em nome da humanidade;

eu desculpo;                                       (sem voltar a embaraçar-me
                                                           pelos outros, por outros, e, oh,
                                                           eis o embaraço por mim)
                                                           (que desculpo, me)

XII. Apelidar o lugar
não há como chegar a uma casa           e não ter de
acender um lume radical         
porque           
o fogo,
o fogo
é a fraternidade e,
sem saber se poucos,
haveremos de ser muitos
atentos
guardiães do fogo       

o seu nome:     confiança.