«Na
semana passada, cometi a imprudência de usar uma palavra contra a qual o
Acordo Ortográfico dispara com uma fúria cega as suas regras de
aniquilação e entra em desvario: a palavra ‘panóptico’, que designa uma
arquitetura carceral, o panopticon, imaginada no século XVIII por
Jeremy Bentham. Quem reviu o texto emendou para ‘pan-ótico’, por
analogia com outras palavras formadas com “pan” que levam hífen. Mas o
mais importante é a supressão do ‘p’, que parece obrigatória, segundo o
AO. Ora, tratando-se de uma palavra que sempre teve um uso culto, nunca
conheceu outra pronúncia que não fosse a da “norma culta”. Ou seja,
“panóptico”. Mas ninguém, nem sequer quem reviu o texto, tem obrigação –
e os meios, porque não se fixou ainda um vocabulário ortográfico comum –
de saber tudo aquilo que é necessário para aplicar corretamente uma das
muitas exceções que o AO consagra para tentar salvar as suas regras:
teria de saber que em todo o espaço da língua portuguesa a palavra se
pronuncia com ‘p’ e que, por conseguinte, não há lugar à supressão da
consoante, porque ela não é muda (note-se que tal saber impossível
também é requerido para o uso das muitas facultatividades).
¶
¶
Uma amiga brasileira confirmou-me por e-mail:
“Nós aqui dizemos e escrevemos ‘panóptico’ como vocês.” Como vocês?
Isso era dantes, porque o AO, estúpido como é – de uma estupidez
cómico-grotesca –, promove constantemente erros de hipercorreção, sem
fornecer meios que os possam evitar. E, hipertélico, acaba por ir além
dos seus próprios fins e anulá-los. Sem o ‘p’, a palavra refere-se à
audição e não à visão, ou então é usada no campo da química para
designar um corante. Não é tudo isto absurdo, próprio de uma terra onde
Ubu é rei, ainda por cima quando temos um ministro da Educação e Ciência
que, antes de o ser, corroborou famigeradas denúncias de “imposturas
intelectuais”?»
António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 12.5.2012
via Fallorca
* o mesmo pedido: condescendam, por favor, ando em negação de tipo “este políticos não são meus”
1 comentário:
O AO é realmente estúpido. Por isso, não compreendo porque o usa. Eu não uso.
Enviar um comentário