sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

a pessoa e divindades num tempo, num espaço, numa forma

(estar atenta, ou, porque não estou sozinha: estarmos atentos)

I. Teorias
O emergir de grupos radicais em tempos         de tumulto
é          um fenómeno               esperado,         óbvio,              de fácil
implementação.                        Ao contrário das dúvidas
que nos assolam                     em provérbios face às bruxas,
estes existem.                                      Sempre existiram,
mais ou menos assumidos,     são nossos vizinhos.                 Todos
sabemos disso.            Eu,       por vezes,                    gosto de ficar  

a um canto       a brincar          à infância,                    sem fingir
preciso de me distrair   deles.               Para sobreviver
a uma existência                     zangada,          coisa que não é para mim,
pois cansa                              sem consumir
as energias       devidas,        de vidas
leva os restos                         de dia              pelo cano abaixo.

Há já algum tempo,                 recusei as preposições
de passar pela vida                 de forma          incompatível
com o meu corpo.                   E não me confundo
com teorias      tortas              no hedonismo.

II. Crítica das Certezas
Em parecendo que estou cheia de certezas,
não estou,
e estou,                                   obviamente.
Faz parte         a contradição,
para que seja equilibrado
e seguro,
porque é mesmo de segurança que falo.

E da amabilidade         e da ideologia.
E de sinceridade          e da ideologia dela.
E do adormecimento                                     e da pretensão
                                                                       de se ser
                                                                       um ser              acordado.
E da mediocridade       que,                           obviamente,
tu
que lês
não tens.
E dos poetas, que também eles usam deus.
                                                                      

E, em exemplo de certeza: as teorias radicais
jamais
nos podem garantir deus,                                 pai,
também elas têm um buraco, e é                      um buraco
que vem tocar directamente, sem desvios,
nos nossos corpos.

E eu,
isso,                             não deixo
que aconteça.

III. Afirmação
Antes a morte.

E é uma pequena morte
que acontece
naquele momento                     em que, conversando
com alguém
que destapa                 o véu,
e, depois de uns segundos de impasse,
somos forçados           a optar
por uma das hipóteses:

fazermo-nos de parvos;
sorrir sem aceder;
marcar posição.

IV.  Ludo
Nunca fui muito boa com jogos.

Talvez me safe em jogos          de “palavras
      proibidas”

mas isso está justificado           pela deformação
profissional no que respeita uma certa    ginástica
   lexical.
Portanto,                     acreditem,        nunca fui muito boa
com jogos.

Acontece que nos exprimimos mal

– nós, os maus a jogar,

ao dizer
correntemente              “não sou bom (ou boa)
       com jogos”.
E creio
que,     alguns jogadores          não entendem
isso,
o que os deixa                         em desvantagem. Nós
até podemos ser bons
”com”
jogos,                                      não somos bons
é a jogar
propriamente,                                      no campo de batalha
somos uns nabos
mas isso                                  não quer dizer que não sejamos
        bons
na análise do jogo, por exemplo.          Ou seja,
e indo
ao cerne da questão:
sou boa a analisar jogos, e provavelmente
só não sou boa a jogar porque é enfadonho.
Medir forças é chato, é uma seca.

          (e ninguém é bom juiz em causa própria) 

V.  Abstracção
Confesso que até o entretenimento de observar

pessoas a medir            forças
se tornou demasiado    batido.
E é verdade que        encontro
poucas       zonas    humanas
isentas            de competição.

VI.  Ciúme
Começando pelo fim:
até nas artes,                ladies and gentlemen,
até nas artes,                se medem forças.
Ou antes:                      ladies and gentlemen,                       
começando pelas artes.

VII.  Ciência
Dirão os teóricos das medições
de forças
que estas são               o mote da evolução,                            do seu crescendo.

Mas ‘inda não cheguei
a uma lógica                 que sinta
nas peles do meu

corpo. Quando muito, sinto
na minha mesquinhez, mas passa
tão rápido. É tão efémera a vitória.

VIII. Imaginários e cisma 
Ou seja, não quero ganhar – nada – a ninguém.

Ou, para ser mais                    honesta e menos                      hipócrita,
não quereria
ganhar
– nada
– a ninguém.

Sem ter
de estar
no meu canto
a evitar
o confronto,                 desejaria          poder   mover-me
sem ter de fazer           o silêncio         que faço
     quando alguém
tenta velar um triunfo                a que se declara.

Chega a ser
      cá
      duma canseira             ter de fingir
que sim,
que ganhaste
a tua batalha imaginária.

Tu ou ele, aqueloutro, daqui e dali. 

XIX.  Preferências
Enfim, tudo isto para explicar   porque             é          que,
tu – tu mesmo, exacto,
és a minha pessoa                    preferida: tu
tu mesmo, não jogas.

E isto sem falar dos      “porque”      que se podem ler
no poema da Sophia,
acrescido
de mais alguns
que logo te direi. Para o caso
de não saberes,
mais logo tos direi. 

E és a minha pessoa
         preferida.

Contigo            não tenho         de estar no canto
(nem,   muito menos, chutar     para canto).
Não se trata de baixar armas,
como quem fala de defesas. Não
é um baixar
da guarda
temporário,        onde                       jogos são logo-logo retomados.

Tu,       simplesmente,   não jogas.
E eu,    simplesmente,   divirto-me        a aprender-te.
É verdade
que fico embaraçada por ver o engano            nalguns
que até a palavra
“imberbe”        podem tentar
incluir nessa sintaxe. Por vezes, ficamos
embaraçados
pelos outros,                não é? É possível este exercício
de estimar dias                                 pelo embaraço
que outros causem em nós: 
se é um dia com poucos embaraços, esteve-se bem rodeado;
se é um dia com muitos embaraços, urge chutar para canto.

X. Feitio  
E esta inspiração toda a somar parágrafos
sobre os radicais          e os jogos        e os chutos,
onde muitos já se perderam, para dizer que não
há como:

chegar a casa ao final do dia,            mandar cantar um cego
e mandar calar os energúmenos
que se dão ao luxo de desprezar o conforto
garganteando o seu negócio cheio dele,
do ócio, afinal;

chegar onde me trazes uma casa
onde posso atentar
aos misóginos do sexo
aluado sem potência, por isso mesmo,
aluado;

chegar onde me trazes a inteligência
que ris para dentro das palavras
dos que gostam de dizer
“imberbe”,
e estar nessa casa onde me acordas
para dentro da verdade que, explicas-me,
os que dizem “imberbe” fazem-no
por feitio, não por defeito;

e depois, saber que é por isso
que não pode haver lugar
para o radicalismo
e peço desculpa à humanidade
por me distrair amiúde;

XI.  Um pouco mais de conciliação
peço desculpa;

desculpa-me;

e eu desculpo,                         em nome da humanidade;

eu desculpo;                                       (sem voltar a embaraçar-me
                                                           pelos outros, por outros, e, oh,
                                                           eis o embaraço por mim)
                                                           (que desculpo, me)

XII. Apelidar o lugar
não há como chegar a uma casa           e não ter de
acender um lume radical         
porque           
o fogo,
o fogo
é a fraternidade e,
sem saber se poucos,
haveremos de ser muitos
atentos
guardiães do fogo       

o seu nome:     confiança.

2 comentários:

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