É o bibe é a trança
a lisura da anca
a doçura da pele a pastel de nata
Os dedos erguidos num aceno
de esperança
o sonho onde o lince lhe devora a ilharga
É a mãe sem saber
quanto o belo lhe pesa
a avó a arranjar o pão com marmelada
O sino que ao longe
diz da missa e da reza
na igreja onde sempre entrará aterrada
É a gola de renda a picar
no pescoço
o livro lido às escondidas
As histórias escritas no caderno
e o osso
do corpo voraz onde a vida se afirma
É o medo do escuro
porque o quarto vacila
uma noz uma nau no peito em alvoroço
A paixão de organdi
quando a rosa retira
o espinho envenenado do avesso suposto
É o gosto do verso
seduzindo a insónia
alinhavo da alma com bastante amargura
O sabor derramado
a gardénia e no bolso
o cheiro a glicínia ou a coisa nenhuma
É o nervo à flor
de um suor resguardado
debaixo dos braços ou então nas virilhas
Os pulsos estreitos
os joelhos suaves
frutos de uma magreza talvez doentia
É a história inventada
que a culpa condena
o poço da morte só de madrugada
A febre que a toma
e valseia com ela
a aperta nos braços e a deixa quebrada
É o som e o susto
a torpeza do hálito
a lâmina furtiva onde o gesto se afia
A cicatriz da fuga
porque o fio vem doendo
fazendo-a teimar como quem desafia
É o suco o vacilo
o caroço do cuspo
na palma das mãos que o tempo confirma
O sol da manhã a acordá-la de súbito
fazendo-a recordar tudo aquilo
que queria
É o extremo vagar que a memória conhece
mais tarde o abandono
a deixá-la sozinha
Paraíso perdido
com a pressa onde cresce
a tornar-se mulher sendo ainda menina
Maria Teresa Horta
fonte
Sem comentários:
Enviar um comentário