Tenho uma farpa na mão esquerda. Tenho um arranhão na mão direita. Tenho as mãos infectadas. Tenho meias tarefas. Tenho fé. Tenho fé na voz do Tom Waits. Estou a tentar magicar uma tarefa gaga há cerca de vinte minutos, mas não consigo parir tão-pouco uma sílaba. Quando a luz está crua, nestes dias crus, sinto os abandonos. É demasiado branco para um céu mortificado de cinza. Molhado.
Insisto na tarefa gaga. Mastigo uma boca cheia de amêndoas a tentar ignorar a humidade. Penso nos homens e nas mulheres da repartição. Aumento a intensidade. Used songs. Obsessão. Casa. Levanto-me para estender roupa. Volto a sentar-me. De súbito. Tom Traubert's Blues. Caem largas águas pelo meu corpo. Repentina e espantada, ponho-me a lamber os cacos. Sinto força para recuperar cacaréus que coleccionei ao longo destes longos anos. Faço replay. Deixo-me desafogar de choro enquanto arranco a farpa e faço o curativo a ambas mãos.
Assusta-me a resiliência.
Insisto na tarefa gaga. Mastigo uma boca cheia de amêndoas a tentar ignorar a humidade. Penso nos homens e nas mulheres da repartição. Aumento a intensidade. Used songs. Obsessão. Casa. Levanto-me para estender roupa. Volto a sentar-me. De súbito. Tom Traubert's Blues. Caem largas águas pelo meu corpo. Repentina e espantada, ponho-me a lamber os cacos. Sinto força para recuperar cacaréus que coleccionei ao longo destes longos anos. Faço replay. Deixo-me desafogar de choro enquanto arranco a farpa e faço o curativo a ambas mãos.
Assusta-me a resiliência.
Union, de Bill Viola
2000
two channels of color video on two plasma displays mounted side-by-side, vertically on wall
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7 comentários:
Eu amo a resiliência, cultivo-a, escudo-me nela e ganho batalhas. É uma das armas mais poderosas e nem prejudica ninguém, só beneficia quem a tem.
:) é isso, sim.
assusta a sua grandiosidade.
assusta, como que um espanto, saber-se capaz de resiliência.
***
descobrir dentro capacidades gigantes que nem se sabia que se tinha. para limpar a ferida, o pus, esgravatar, o espanto dessa resistência. gostei tanto de te ler - lembrei-me dessa força. :)
também eu adoro ler-te...
obrigada.
bj
as mãos insistem em recolher os cacos e há sempre um ou outro corte que acaba por infectar, por menor que tenha sido a ferida.
belo texto.
"É demasiado branco para um céu mortificado de cinza." - nem mais.
(e dizias tu que abandonaras a poesia. como se eu acreditasse. nem tu acreditas.)
(fantástico)
beijos às meninas :)
p.s. limão... shiu! acreditamos "ambas as duas" :P
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