sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

... por partes (ou eu queria mesmo era aprender a conduzir uma Sportster)


Neste preciso momento, agora, aqui, é impossível não sentir o descerrar do fracasso. Que dor. Que silêncio sem ser silêncio. Apenas a ventoinha do computador, alguns passos lá fora e telefones que tocam à distância de alguns metros atrás desta porta. O mundo parece estar parado, e é precisamente aí que reside o engano.

Ontem percebi que me considero velha. Não sabia dessa opinião de mim sobre mim. Vi um grupo de 3 jovens motards numa estação de serviço. Lembrei os meus tempos de pendura e dei por mim numa afirmação mental terrível: e eu que sempre quis aprender a conduzir uma Sportster… mais uma coisa que nunca farei. Que horror! Não dei um salto de assombro no banco do expresso porque me resta alguma compostura pública. Que horror. Aos 34 anos 3 meses e 5 dias dou por mim a considerar-me encerrada para coisas que me são ainda possíveis.

(Não me conformo com este fracasso. Irrita-me que aquele sucesso não estivesse nas minhas mãos apenas.)

Não consegui transcrever as passagens do Livro dos Amores Risíveis. Azar. Leiam, é um livro com título certeiro, genial. E malicioso, pois não deixa adivinhar o génio das palavras que contém.

Ontem sofri na viagem de regresso. Tudo começou no momento em que liguei para o terminal a confirmar a hora do expresso e a moça do outro lado da linha se esqueceu de me avisar da hora de encerramento da bilheteira. À chegada ao terminal para o expresso das 21h, verifiquei que a bilheteira estava encerrada, ainda assim parecia haver por ali alguma vida. Pouca, mas alguma. Considerei-me cheia de sorte quando vi chegar um autocarro poucos minutos antes das 21h. Depressa me desenganei quando o motorista me avisou que terminava ali a sua viagem. Ainda me falou acerca do seu cansaço como se eu fora uma das principais responsáveis por tal. Tive oportunidade de lhe perguntar como seria resolvida a questão da aquisição do meu bilhete. Informou-me que “as regras da casa dizem que o motorista é obrigado a levar o passageiro”. Pois bem, muito obrigada, esclarecida senti-me mais tranquila. Entrei na espécie de sala de espera para não ser agredida pelo vento. Passados cerca de 2 minutos, esse mesmo motorista entrou na sala, dirigindo-se ao “quadro da luz” começou um movimento que me levou à audição de clicks sonoros e à percepção de escuridão crescente na sala. Após ter desligado todas as lâmpadas fluorescentes avisou-me “vou fechar a sala”. Saí de novo entregando a minha sensível face ao vento. Encerradas as luzes da espécie de sala de espera e metade das exteriores, o cansado motorista partiu sem me desejar boas noites. Acendi um cigarro. E outro. Eu e muitos metros quadrados de asfalto que compõem o piso do terminal de expressos. Eu e o exercício de esquivo a pensamentos acerca das imensas possibilidades criminosas daquele cenário do qual eu fazia parte física naquele instante. Chegaram pessoas no número de três. Percebi que aguardavam passageiros do autocarro que, esperava eu, me traria de volta a esta cidade que hoje é a minha cidade.

Quando o autocarro finalmente chegou e explanei a minha situação ao motorista tive de arcar com a sua expressão solene de momento de reflexão para decisão acerca do “meu caso”. E a minha revolta mordida nos lábios. Aquele já não era o cenário com iminentes possibilidades criminosas mas o cenário em que alguém se sente poderoso por ter em sua posse de algo que outro deseja. Para poder saborear esse momento de glória, o motorista informou-me convicto de que não me poderia transportar até Coimbra. Deixei de morder a minha revolta e informei-o das “regras da casa”. Por esta altura, o resultado do round margarete-motorista actualizou-se para 1-1. Telefonou, ou fingiu telefonar, para uma autoridade nas “regras da casa” e informou-me “Oh dona, eu levo-a mas se a polícia me mandar parar sou eu que me lixo. E tem de me dar uma caução ou o seu bilhete de identidade porque há pessoas que chegam ao destino e depois fogem para não pagar lá o bilhete.”.
O que é que eu fiz? Calei-me, claro. E dei-lhe 10 euros para a mão. Se calhar, pensavam que lhe daria a hipótese de trocar palavras comigo… no way, José! O gostinho de lhe dizer o que penso dele tem menos peso do que a minha protecção – o direito de poder interromper a comunicação o quanto antes.

Assim cheguei a esta bela cidade e assim tive de ouvir o taxista acerca das misérias que se vêm na noite de Coimbra. Estou cansada.

Estando cansada é mais do que evidente que fui premiada com uma insónia daquelas. Como tenho a mania de que sou esperta, lutei contra a insónia. Tristemente cómica. Não me levantei, não fui esfumaçar, não fui fazer outro chá, não tentei ler mais um pouco, não me liguei à net, não liguei a t.v., não pus um DVD, não ouvi música, não escrevi. Informei a insónia que o meu corpo estava exausto pelo que deveria - pelo menos - ficar em repouso na horizontal, no escuro, no silêncio. Bem feita. A insónia aliou-se ao inconsciente e tramaram um sonho que consistiu no seguinte - brilhante e singelo - enredo: dormi a noite inteira meio-enterrada numa cavidade existente no meu colchão com o formato do meu corpo e moldado para que eu tivesse de dormir limitada a uma posição apenas.
Assim, dormi na posição em que adormeci sem conseguir aliviar o corpo até de manhã. Padecendo com as dores associadas à manutenção de posturas demasiado prolongadas, este singelo enredo teve o momento alto no final: acordo com escaras no corpo.

Eis que chegamos a mais uma Sexta-feira e regresso à estranha ideia de liberdade. Porém, esta liberdade será curta, tenho demasiado trabalho para adiantar. (Digo adiantar para não sentir com tanta dureza a realidade do atraso que já levo.)

Chegada esta Sexta-feira, vejo alguém desistir imprudentemente de algo e não tenho como agir sobre tal. O fracasso. Estando eu indirectamente implicada, reflicto sobre o assunto como se fora a principal responsável. Típico. Boooring. Devo ser a pessoa que mais me entedia. Enfim. Siga.

Ontem à noite, quando regressava a esta bela cidade, ouvi Quinteto Tati e essa maravilha que é o Exílio. Depois ouvi Anywhen. Escrevia mentalmente numa aceleração que certamente mantinha a minha adrenalina bastante ocupada. Fui feliz. Pensei na quantidade de texto que escrevo apenas para mim e na relação que esse facto tem com a issue - não querer falar de publicações. Estava feliz. Escrevi tanto para mim. E não anotei num papel ou sequer gravei. Nem por isso sinto que se tenha perdido algo. Estava feliz na plenitude de ter ao meu alcance dois dos álbuns que melhor conhecem as minhas entranhas e a capacidade intacta de linguagem. Antes de adormecer, li mais um fragmento do Singer e pensei: na Sandra e em saudades; na Ana Cristina Leonardo e lembrei o livro que quero ler com o B.; na Dra. F. e na “gestão de más notícias”. Acedi na minha memória a copiosas reflexões que estão em aberto. Voltei ao efeito “A Estrada” e senti. Senti sem censura.

Despedi-me. Até amanhã. Quisera e cá cheguei. Trago comigo o texto do comprimento do meu cabelo, o desenvolvimento da viagem de táxi, as aventuras da aprendizagem de condução da Sportster, o relato do fracasso, a morte do Sr.E., a esposa do Sr.A., o luto familiar pelo velho Mercedes, as colegas das salas contíguas, uma imensidão de textos e a ausência de lamentos por não ter exclusividade de tempo para a escrita dos mesmos. Ontem sofri na viagem de regresso. E fui feliz. Devo ser a pessoa que mais me entedia. Sou a pessoa que mais me entretém.

Hoje o meu abdómen é um nó e eu sei como viver com ele.

'A


bom fim-de-semana, gentes...

10 comentários:

Anónimo disse...

bom fim de semana, margarete!

:)

Anónimo disse...

... e hoje é dia de regressos das não ausências e de casa.

uma casa.

Anónimo disse...

estou indecisa :S

Anónimo disse...

"Devo ser a pessoa que mais me entedia. Sou a pessoa que mais me entretém."
Muito bom!

Bom fim de semana!

:)

Anónimo disse...

Comentei por mail. :)

Beijo.

Anónimo disse...

bom fim de semana! que sejas feliz na viagem de regresso...

Anónimo disse...

Considerar a Sportster não está mal visto, caso não haja, de todo, hipótese de uma Triumph...

:-)

Anónimo disse...

Paulo... compreendo o teu comentário, mas... como te dizer isto sem ser bruta: a Triumph é apenas uma moto, a Sportster é uma Harley 8-D

menina-alice: bâijus! :)

e mais beijos para os restantes :) bom Domingo!

Anónimo disse...

há tantos com tantas insónias e nunca aprendi a lidar com elas. nunca faço o que toda a gente faz: enganar o sono e vencê-lo. não, faço como fizeste, deixo-me estar quieta. depois chego a um ponto em que só há duas acções possíveis, mas são demasiado pessoais e íntimas para expô-las aqui. conto-te por mail.

" Típico. Boooring. Devo ser a pessoa que mais me entedia. Enfim. Siga." :D

beijos muitos.

Anónimo disse...

*há tantos anos