sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

Bem-estar. Sensação de conciliação. Comoção.


A minha avó materna foi a última a partir. Sempre se disse que eu, dentre as sete netas, era a mais parecida com a avó. Sendo que eu a considerava uma pessoa dura, assustava-me essa comparação que carregava desde a infância. Viver próximo da minha avó dos 20 aos 24 anos, trouxe-me as provas da beleza dela. Beleza que não era acessível a todos, pelo que poderei dizer que fui privilegiada. Vimo-la partir demasiado cedo, como sempre se vê partir um ente querido. A partida da minha avó materna implicou a ascensão de todos nós na hierarquia familiar. Cada geração passou à instância seguinte.

Há mulheres na minha família materna que parecem ter sido inspiração do filme Volver. O meu avô, falecido há vinte e cinco anos, jaz numa campa que nunca deixou de ter flores frescas. Já me aconteceu chegar ao cemitério e não ter onde colocar as flores que levara de tão cheias as duas jarras. Agora, na mesma campa, jaz a minha avó há quase sete anos.
Sete anos volvidos, uma campa dupla sempre airosa e a casa intacta. A casa intacta. Nem uma teia de aranha, apenas um ligeiro odor a casa encerrada. Cada objecto no respectivo local onde a avó os deixara a última vez que lhes tocara. As molduras com as nossas fotografias, os bibelots, os naperons feitos pela avó. Apenas a ausência de dálias na jarra junto ao telefone.
Sabendo a família que eu precisava urgentemente de cadeiras novas, as minhas tias perguntaram-me se eu queria receber aqui em casa a mobília de sala de jantar dos avós. A resposta foi imediata: sim, claro, muito obrigada por terem pensado em mim. Lá se fez a visita ritual para observação do estado de conservação dos móveis. A tia F. ia dizendo “Se quiseres levar mais alguma coisa, diz, escolhe.”. Chegara o tempo de dar mais um passo no luto dos avós. Cada um contou as histórias de que se lembrou. Derramaram-se algumas lágrimas e disse-se que a vida não deveria ser assim.

No final, trouxe uma carrinha cheia de móveis. Não fazia a mínima ideia de como os iria dispor cá em casa, pois se a casa já estava toda mobilada… mais umas horas de prazer e acabada a distribuição dos móveis pela casa, sentámo-nos a observar os vestígios de avós cá em casa. Já cá moravam: a cómoda dos meus avós paternos, junto com o chapéu dele e o xaile dela; o baú dos avós paternos dele e os paninhos da avó materna, que os continua a enviar a cada visita. Agora, acrescentados a mesa de jantar e as oito cadeiras devidas, as duas poltronas de napa, a mesinha de apoio com tampo marmoreado, os pequenos objectos como o relógio despertador verde-água e a candeia a petróleo, fica a casa completa. Cada objecto parece ter sido concebido a pensar na minha casa. Porém, o que trouxe de mais fantástico não foram os móveis ou os objectos que, de forma melhor ou pior, sobrevivem aos anos sem necessidade de cuidados. No pátio que serve de ligação da casa dos avós com as várias divisões de arrumo, há um espaço específico para as plantas da avó… volvidos sete anos, as plantas da avó mantêm-se vivas, graças aos cuidados da minha tia O.. Esta é uma das coisas que me faz estremecer por dentro. Eu não sabia que as plantas da avó lhe continuavam a sobreviver. Volvidos sete anos! Comoção. Que eu trouxesse as que desejasse. Todas, até, disse a tia F.. Trouxe 3 plantas enormes, duas estão aqui na sala comigo e uma está na varanda. Não existem palavras comuns para descrever esta espécie de sensação de conciliação com a ausência da minha avó ao olhar as plantas que foram criadas, envasadas e regadas por ela.

Bem-estar é: chegar à sala e confirmar que após estas semanas as plantas vingaram da mudança de casa; ver o verde misturado com esta maravilhosa luz da manhã; fazer um galão-margarete (leite aquecido com casca de limão, café tirado com mistura de canela no cachimbo); regar as plantas com um silencioso “bom-dia, '…” e o implícito “tenho saudades tuas”; beber o galão enquanto olho de novo o verde com a luz da manhã e o gato roça as minhas pernas ao som de Cinema de Rodrigo Leão.

9 comentários:

Anónimo disse...

que bom, maggie. :)

Anónimo disse...

Belo post, bela manhã de Domingo e as cadeiras são belíssimas. Imagina que até fiquei com pena de nunca na vida conseguir beber um galão-margarete.

(ou te enganaste mesmo ou o chapéu do avô - também fiquei com um dos chapéus do avô - tem um "e" onde deveria estar um "a")

Anónimo disse...

corrigido! many tanx oh-minha-revisora-preferida :)***


cof cof "com pena de nunca na vida conseguir" ou "com pena de ainda não ter conseguido"?

(prometo galão-margarete a acompanhar as próximas panquecas :P)

Anónimo disse...

Margarete... É porque que não seria capaz mesmo. Só o cheiro do leite quente me deixa nauseada.

Mas gosto disso de ser a tua revisora. :D

Anónimo disse...

ah, ok, então faço café-margarete: café tirado com mistura de canela no cachimbo, para dentro da chávena com um tirinha muito fininha de limão

e eu agradeço que sejas revisora :D

Anónimo disse...

que bonito...

Anónimo disse...

tão bonita esta fotografia que se criou na minha mente. já te ia perguntar, a medo, se as plantas estavam a sobreviver. tão bom saber que sim. tens de me fazer esse galão-margarete! imagino-te nos bons-dias matinais às plantas e sorrio. a margarete é tão bonita. saudadinhas.

Anónimo disse...

faço-te o galão... depois de teres ouvido Anywhen, claro! :p

Anónimo disse...

isso só valeria se me tivesses sido tu a arranjar Anywhen. ora, quanta injustiça.