alguma dica sobre como me desembaraçar desta maledicência?
grata
sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com
You are welcome to Elsinore
Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.
Mário Cesariny
in Pena Capital
Assírio & Alvim, 1957
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.
Mário Cesariny
in Pena Capital
Assírio & Alvim, 1957
SÚMULA
Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.
Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.
- Era uma casa - como direi? - absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.
Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.
As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
- Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.
Era uma casabsoluta - como
direi? - um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.
- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.
Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.
Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.
Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.
Herberto Hélder
in Ou o Poema Contínuo
Assírio e Alvim, 2001
2.
tombo as carnes – sinto-as escorrer dos ossos
e o mar ressoa na minha cabeça como uma imensidão
de noites: Ah, as noites pétreas e pesadas
que impossíveis nuvens não sustentam
e dunas que dormem à noite ao luar
quando gostaria de anunciar a vaga toda
que rompe dentro de mim violenta
como todas as vagas, mesmo as mansas
e brandas que trazem a persistência da erosão.
Carlos Veríssimo
A fuga do peixe melancólico
edição de autor, 2012
e o mar ressoa na minha cabeça como uma imensidão
de noites: Ah, as noites pétreas e pesadas
que impossíveis nuvens não sustentam
e dunas que dormem à noite ao luar
quando gostaria de anunciar a vaga toda
que rompe dentro de mim violenta
como todas as vagas, mesmo as mansas
e brandas que trazem a persistência da erosão.
Carlos Veríssimo
A fuga do peixe melancólico
edição de autor, 2012
Apanhado em fragrâncias
cinzelar a burrice juvenil
entontecido na melancólica bicicleta
percorrias
os frios provinciais cuidando
distinguir uma pontinha já de Primavera; em vez dela tombavas
no incalculável prejuízo dos versos, moléstia à parte
e na estação errada
sempre as laranjeiras flóreas, cúmplices
caladas na incumbência de produzir a imperceptível alegria
que recendia sem parar na fiada odorífera das ruas
também o lumaréu dos limoeiros
desprendendo
cheiros que portões de ferro, caiados muros
puderam nunca aquartelar
e em Lisboa, apeado no imaturo homem
bárbaro, barbado em que te mudaste, a fumarada das sardinhas
avioletou na doçura dos jacarandás; o sexo
agora vezo e hálito, exala a ácida variedade
que nunca te nauseou
depois os europeus odores, centrais
ou varado nos velhos comboios do Leste
porcos, gastos, alvoroçados
lavatórios do mundo onde lavaste as cuecas
evitando tocar nos ralos
tudo para chegar hoje a uma ideia de Índia
suposta, sonhada, odor infindável de um sem-fim
perfumado, onde pudesses compreender
a colorida arquitectura do ar
a suave dimensão da espessura
a girar no vazio um dia inteiro
Miguel Manso
livro em preparação, 2012
entontecido na melancólica bicicleta
percorrias
os frios provinciais cuidando
distinguir uma pontinha já de Primavera; em vez dela tombavas
no incalculável prejuízo dos versos, moléstia à parte
e na estação errada
sempre as laranjeiras flóreas, cúmplices
caladas na incumbência de produzir a imperceptível alegria
que recendia sem parar na fiada odorífera das ruas
também o lumaréu dos limoeiros
desprendendo
cheiros que portões de ferro, caiados muros
puderam nunca aquartelar
e em Lisboa, apeado no imaturo homem
bárbaro, barbado em que te mudaste, a fumarada das sardinhas
avioletou na doçura dos jacarandás; o sexo
agora vezo e hálito, exala a ácida variedade
que nunca te nauseou
depois os europeus odores, centrais
ou varado nos velhos comboios do Leste
porcos, gastos, alvoroçados
lavatórios do mundo onde lavaste as cuecas
evitando tocar nos ralos
tudo para chegar hoje a uma ideia de Índia
suposta, sonhada, odor infindável de um sem-fim
perfumado, onde pudesses compreender
a colorida arquitectura do ar
a suave dimensão da espessura
a girar no vazio um dia inteiro
Miguel Manso
livro em preparação, 2012
Paraíso Perdido
É o bibe é a trança
a lisura da anca
a doçura da pele a pastel de nata
Os dedos erguidos num aceno
de esperança
o sonho onde o lince lhe devora a ilharga
É a mãe sem saber
quanto o belo lhe pesa
a avó a arranjar o pão com marmelada
O sino que ao longe
diz da missa e da reza
na igreja onde sempre entrará aterrada
É a gola de renda a picar
no pescoço
o livro lido às escondidas
As histórias escritas no caderno
e o osso
do corpo voraz onde a vida se afirma
É o medo do escuro
porque o quarto vacila
uma noz uma nau no peito em alvoroço
A paixão de organdi
quando a rosa retira
o espinho envenenado do avesso suposto
É o gosto do verso
seduzindo a insónia
alinhavo da alma com bastante amargura
O sabor derramado
a gardénia e no bolso
o cheiro a glicínia ou a coisa nenhuma
É o nervo à flor
de um suor resguardado
debaixo dos braços ou então nas virilhas
Os pulsos estreitos
os joelhos suaves
frutos de uma magreza talvez doentia
É a história inventada
que a culpa condena
o poço da morte só de madrugada
A febre que a toma
e valseia com ela
a aperta nos braços e a deixa quebrada
É o som e o susto
a torpeza do hálito
a lâmina furtiva onde o gesto se afia
A cicatriz da fuga
porque o fio vem doendo
fazendo-a teimar como quem desafia
É o suco o vacilo
o caroço do cuspo
na palma das mãos que o tempo confirma
O sol da manhã a acordá-la de súbito
fazendo-a recordar tudo aquilo
que queria
É o extremo vagar que a memória conhece
mais tarde o abandono
a deixá-la sozinha
Paraíso perdido
com a pressa onde cresce
a tornar-se mulher sendo ainda menina
Maria Teresa Horta
fonte
a lisura da anca
a doçura da pele a pastel de nata
Os dedos erguidos num aceno
de esperança
o sonho onde o lince lhe devora a ilharga
É a mãe sem saber
quanto o belo lhe pesa
a avó a arranjar o pão com marmelada
O sino que ao longe
diz da missa e da reza
na igreja onde sempre entrará aterrada
É a gola de renda a picar
no pescoço
o livro lido às escondidas
As histórias escritas no caderno
e o osso
do corpo voraz onde a vida se afirma
É o medo do escuro
porque o quarto vacila
uma noz uma nau no peito em alvoroço
A paixão de organdi
quando a rosa retira
o espinho envenenado do avesso suposto
É o gosto do verso
seduzindo a insónia
alinhavo da alma com bastante amargura
O sabor derramado
a gardénia e no bolso
o cheiro a glicínia ou a coisa nenhuma
É o nervo à flor
de um suor resguardado
debaixo dos braços ou então nas virilhas
Os pulsos estreitos
os joelhos suaves
frutos de uma magreza talvez doentia
É a história inventada
que a culpa condena
o poço da morte só de madrugada
A febre que a toma
e valseia com ela
a aperta nos braços e a deixa quebrada
É o som e o susto
a torpeza do hálito
a lâmina furtiva onde o gesto se afia
A cicatriz da fuga
porque o fio vem doendo
fazendo-a teimar como quem desafia
É o suco o vacilo
o caroço do cuspo
na palma das mãos que o tempo confirma
O sol da manhã a acordá-la de súbito
fazendo-a recordar tudo aquilo
que queria
É o extremo vagar que a memória conhece
mais tarde o abandono
a deixá-la sozinha
Paraíso perdido
com a pressa onde cresce
a tornar-se mulher sendo ainda menina
Maria Teresa Horta
fonte
A matéria das palavras [às portas de (mais) um novo dia]
Estamos aqui. Interrogamos símbolos persistentes.
É a hora do infinito desacerto-acerto.
O vulto da nossa singularidade viaja por palavras
matéria insensível de um poder esquivo.
Confissões discordantes pavimentam a nossa hesitação.
Há uma embriaguês de luto em nossos actos-chaves.
Aspiramos à alta liberdade
um bem sempre suspenso que nos crucifica.
Cheios de ávidas esperanças sobrevoamos
e depois mergulhamos nessa outra esfera imaginária.
Com arriscada atenção aspiramos à ditosa notícia de uma
perfeição
especialista em fracassos.
Estrangeiros sempre
agudamente colhemos os frutos discordantes.
Ana Hatherly
Pavão Negro
Assírio & Alvim, 2003
o desespero do desemprego [via louzanimales]
"Peço ajuda urgente para
a minha familia de 4 pernas. Dentro de 15 dias tenho de deixar a casa
onde estou e ainda nem sei bem para onde vou.
Desempregado e sem subsidios, penso que irei para um quarto em casa de um amigo. Não poderei levar os animais. Duas
cadelas com 1 ano, não esterilizadas, a mãe delas esterilizada e que
sofre de epilepsia, um gato e uma gata, irmãos esterilizados.
Todos estes animais
sempre estiveram em casa, pelo que não sabem o que é a rua. Todos se dão
maravilhosamente bem entre si e são doceis e amorosos.
Adoro estes familiares, mas a vida deu uma volta enorme e estou obrigado a fazer o que nunca pensei possivel. Se alguém puder ajudar, estes 5 animais agradecem (e eu também). Estou em Casa Nova, perto de Semide na região de Coimbra.
Aguardando um milagre, Carlos David Martins carlos@comboiodigital.com"
(Gaia, Luna e Petra nas fotos. Clique na imagem para aumentar.)
(Gaia, Luna e Petra nas fotos. Clique na imagem para aumentar.)
Facto diverso
Discretamente fui ontem almoçar
ao lado do meu tumulo
levei para o acto um ramo de papoilas
que guardava lá em casa há cerca de oito anos
para qualquer momento circunstancial
(sempre me considerei digno e respeitador
dos insultantes bons costumes)
Lá estava gravado na pedra de Estremoz
EUROPA – MAIS UM DIA
era certo e fora um trabalho bem eficiente
em elzevir escolhido e sem defeito
Sentei-me sempre tive esse costume
e fiquei a olhar inquisitivo para a Europa
donde nunca consegui sair
mesmo quando pareço estar remotamente longe
fiquei a olhar para São Paulo
fantasma búlico mal traduzido do americano
que se apaga triste e sem figura
com a presença leal e muito nítida
de Londres de Paris de Moscovo
de Lisboa menina sorridente e milenária
e sentámo-nos
à esquerda Cesariny
recém-chegado de beber uma cerveja no Inferno
à direita o Erol Isin
recém-fugido dos lobos de Istambul
onde para urinar se caminha entre a neve
com uma Luger na mão
e um aviso no sexo (PROIBIDO DEVORAR)
e olhámos
o elevador de Santa Justa parecia indicar
a verticalidade rápida de menos dois tostões
noticiando o Tejo e a sua ponte
(muito para mostrar aos do Brasil e de Lesoto)
Lisboa (António Maria) sentou-se ao nosso lado
Sentados
Todos sentados e continuando a respeitar as leis
ficámos
a ouvir o noticiário meteorológico
Campo de Ourique algumas nuvens com precipitação provável
Rua do Norte alta pressão isobárica
Rocio o costume
Cais do Sodré frente fria em evolução
com alguns barcos para o Barreiro e muitos nabos
abrimos
uma lata de enchovas
esfregámos os pés no azeite (enlatado de exportação)
e alimentámo-nos confortavelmente
enquanto escrevíamos cartas
à família mais próxima é evidente
e tentávamos absorver
através das palhinhas made in Japan
alguns tragos de vinho do Cartaxo
recém-desembarcado do vapor
Lembras-te menina
Como foram rigorosas
as nossas noites de amor?
É preciso não esquecer que o processo de crescimento
da humanidade
é metálico
daí os fornos crematórios
e os vários campos de concentração mais ou menos repelentes
Sentados olhávamos
Um gato sorriu atrás da porta e espreguiçou-se
escreveu taquigraficamente um salto no espaço
e propôs-nos um jogo de encontrar
depois seguiu a aventura de ser ele
A rua da Palma parecia uma mentira inesperada
enquanto assávamos sardinhas e pimentos na escada de pedra
e alguém dava um pontapé numa bola de trapos
que rolava para a praça seminocturna
Escrevemos mais cartas
desta vez aos amigos distantes
e a alguns membros das polícias excessivamente secretas
que tentam decifrar a grafia do voo dos pássaros
Lembras-te
quando partiste?
Levavas um casaco muito branco
e enquanto pisavas os degraus
sorrias
como uma navalha de Albacete
Os automóveis passavam com procissão obsessiva
anunciando apenas um dia febril
enquanto pessoas muito pessoas
pernas dedos dentes
traçavam no solo o diagrama
de mais uma tentativa simplesmente quotidiana
As ruas deslizavam calmas
como quem volta do teatro e vai dormir
Animoglu Sok
Gonçalves Crespo
New Oxford
Gorki
Gregoire-de-Tours
Animoglu Gonçalves Oxford Gorki-de-Tours
Só uma rua imensa possessive
mostrando caminho até ao fundo do espaço
com sinais cabalísticos em cada esquina
e cartazes ofertando maravilhas
cigarros congressos políticos preservativos requintados
sabonetes retratos de assassinos
circos de cavalinhos aguardentes antiquíssimas
máquinas de computar a morte
lutas de mulheres laxantes infalíveis
Sorrimos
O Cesariny levantou-se à minha esquerda
e partiu para mais uma cerveja no Inferno
o Erol Isin à minha direita ergueu-se
e lá se foi
voltando a um Bósforo cor de corno e mar
só o Lisboa
metendo um cágado no bolso
e dando a mão a um menino
ficou à minha espera
mas não me levantei
não tenho pernas
Lembras-te
como amei Fipsy?
Deves contar isso a alguém
Fica-te bem.
Poema de Mário Henrique Leiria a acompanhar carta enviada a Mário Cesariny em 1970
(primeira publicação do poema, na revista surrealista holandesa «Brumes Blondes», número 3, 1972, en versão francesa de Isabel Meyrelles)
in António Maria Lisboa, Pedro Oom, Mário Henrique Leiria – Três Poetas do Surrealismo, Exposição Ícono-Bibliográfica,org. de Mário Cesariny
Biblioteca Nacional, Lisboa, 1981
oh, me loves her a lot!
photo publico.pt |
Portugal é uma paragem obrigatória nas suas digressões. Consegue explicar porquê?
Não sei. É um lugar onde me sinto confortável, porque trabalho com histórias muito compridas e aqui as pessoas gostam de palavras.
publico.pt
[post surripiado na íntegra]
pessoa e local assaltado: ana salomé no Pátio Alfacinha
Conversas
Uma lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e uma pessoa é mais alta à noite.
Muitos temem mais as suas fobias do que a própria morte.
O vítreo Rei de França temia quebrar-se.
Os eunucos chineses mantiveram os seus túbaros em espírito.
O teu cérebro pode sangrar num único espirro.
Uma lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e uma pessoa é mais alta quando se inclina,
o Donald Duck foi uma vez expulso da Finlândia
por não usar calças.
As suas patas eram só penas como as da Margarida
mas nenhuma avestruz enterrou a cabeça na areia.
A cura do escorbuto foi encontrada
para logo se perder ao longo das teorias médicas.
O Começo é um estático som branco.
A lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e lémures e macacos capuchinhos
dão uma centopeica volta até desaparecerem
nas suas poderosas secreções.
O coração de um esplendoroso cavalo abranda.
Um facto é uma pequena fé,
uma leve impressão sensorial para animais, poderosa para os homens
mesmo que seja verdadeira, mesmo quando verdadeira –
nós lemos estas leis em Isaac Neurónio.
Uma mulher teve sessenta e nove filhos.
Alguns leões acasalam cinquenta vezes ao dia.
Napoleão era viciado em vitórias.
Uma lua-cheia nasce sempre ao pôr-do-sol.
Os soldados podem agora seguir o caminho de casa.
Les Murray (Austrália, 1938)
in Taller When Prone (2010)
(tradução da Ana Salomé)
Conversas
Uma lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e uma pessoa é mais alta à noite.
Muitos temem mais as suas fobias do que a própria morte.
O vítreo Rei de França temia quebrar-se.
Os eunucos chineses mantiveram os seus túbaros em espírito.
O teu cérebro pode sangrar num único espirro.
Uma lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e uma pessoa é mais alta quando se inclina,
o Donald Duck foi uma vez expulso da Finlândia
por não usar calças.
As suas patas eram só penas como as da Margarida
mas nenhuma avestruz enterrou a cabeça na areia.
A cura do escorbuto foi encontrada
para logo se perder ao longo das teorias médicas.
O Começo é um estático som branco.
A lua-cheia nasce sempre que o sol se põe
e lémures e macacos capuchinhos
dão uma centopeica volta até desaparecerem
nas suas poderosas secreções.
O coração de um esplendoroso cavalo abranda.
Um facto é uma pequena fé,
uma leve impressão sensorial para animais, poderosa para os homens
mesmo que seja verdadeira, mesmo quando verdadeira –
nós lemos estas leis em Isaac Neurónio.
Uma mulher teve sessenta e nove filhos.
Alguns leões acasalam cinquenta vezes ao dia.
Napoleão era viciado em vitórias.
Uma lua-cheia nasce sempre ao pôr-do-sol.
Os soldados podem agora seguir o caminho de casa.
Les Murray (Austrália, 1938)
in Taller When Prone (2010)
(tradução da Ana Salomé)
Enquanto a meu lado dormes
Gustav Klimt, A Árvore da Vida, 1909 |
Enquanto a meu lado dormes e, como de hábito, tens pesadelos
da minha boca sobe um balão de ar quente por onde fugimos os dois até ser claro
e a noite ser brincadeira de espuma na rebentação dos cabelos
O sono pérfido, nocturna suppressio, não te inquietará mais
do que a infinitesimal passagem do insecto pelo tempo
Guardiã dos espelhos das tuas mãos
conto-te coisas que minha mãe já ouviu contar
Damas pé-de-cabra e um ancinho aplanando as terras jardinadas
a vez em que me abriram uma cova e prestes a morrer
fui descalça correndo em tua direcção
ainda tu não existias
e o amor era um cavalo de muitas cores.
Pátio alfacinha
para ti :)*
panóptico, George Orwell e o vosso* ministro da Educação e Ciência
«Na
semana passada, cometi a imprudência de usar uma palavra contra a qual o
Acordo Ortográfico dispara com uma fúria cega as suas regras de
aniquilação e entra em desvario: a palavra ‘panóptico’, que designa uma
arquitetura carceral, o panopticon, imaginada no século XVIII por
Jeremy Bentham. Quem reviu o texto emendou para ‘pan-ótico’, por
analogia com outras palavras formadas com “pan” que levam hífen. Mas o
mais importante é a supressão do ‘p’, que parece obrigatória, segundo o
AO. Ora, tratando-se de uma palavra que sempre teve um uso culto, nunca
conheceu outra pronúncia que não fosse a da “norma culta”. Ou seja,
“panóptico”. Mas ninguém, nem sequer quem reviu o texto, tem obrigação –
e os meios, porque não se fixou ainda um vocabulário ortográfico comum –
de saber tudo aquilo que é necessário para aplicar corretamente uma das
muitas exceções que o AO consagra para tentar salvar as suas regras:
teria de saber que em todo o espaço da língua portuguesa a palavra se
pronuncia com ‘p’ e que, por conseguinte, não há lugar à supressão da
consoante, porque ela não é muda (note-se que tal saber impossível
também é requerido para o uso das muitas facultatividades).
¶
¶
Uma amiga brasileira confirmou-me por e-mail:
“Nós aqui dizemos e escrevemos ‘panóptico’ como vocês.” Como vocês?
Isso era dantes, porque o AO, estúpido como é – de uma estupidez
cómico-grotesca –, promove constantemente erros de hipercorreção, sem
fornecer meios que os possam evitar. E, hipertélico, acaba por ir além
dos seus próprios fins e anulá-los. Sem o ‘p’, a palavra refere-se à
audição e não à visão, ou então é usada no campo da química para
designar um corante. Não é tudo isto absurdo, próprio de uma terra onde
Ubu é rei, ainda por cima quando temos um ministro da Educação e Ciência
que, antes de o ser, corroborou famigeradas denúncias de “imposturas
intelectuais”?»
António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 12.5.2012
via Fallorca
* o mesmo pedido: condescendam, por favor, ando em negação de tipo “este políticos não são meus”
Comunicado: Empresa ataca liberdade de expressão em Blogue dos Precários Inflexíveis
O movimento Precários Inflexíveis
foi alvo de uma Providência Cautelar pela empresa Ambição International
Marketing. Esta empresa, dizendo-se injuriada por vários comentários
(escritos por centenas de pessoas) num post de denúncia, avançou com um processo em tribunal para forçar o movimento a apagar todos os comentários do blogue.
Independentemente de serem ou não contra esta empresa,
independentemente do que está escrito, a empresa quer que seja apagado
cada um dos mais de 350 comentários.
Infelizmente o Tribunal colocou-se do lado da empresa de forma mais do que inesperada: na sentença proferida, condena o PI a retirar não todos, mas muitos dos comentários escritos pelos cidadãos que por vezes nem sequer referem a empresa. Como sempre dissemos, nunca faremos qualquer censura nem julgaremos ninguém pelas suas opiniões. Por isso, discordamos frontalmente da sentença executada.
Apresentamos alguns factos:
- A empresa em causa, Ambição Internacional Marketing, exige que se retirem os comentários sobre um texto que é sobre outra empresa, Axes Market, e não sobre qualquer texto em que fosse citada.
- A Ambição International Marketing, que avançou com o processo, nunca pediu direito de resposta ao PI e nunca dirigiu qualquer carta ou contacto ao movimento.
- Nenhuma das empresas (ou talvez a mesma com nome diferente) avançou com qualquer processo ou queixa contra quem escreveu os comentários. Portanto, o que preocupa a administração da empresa é a liberdade de expressão na internet. O mesmo preocupa o Tribunal.
O resto do comunicado está disponível em "Ler mais".
Sentença disponível aqui.
O movimento Precários Inflexíveis defende e defenderá sempre a liberdade de expressão e a igualdade na exposição de textos e ideias, críticas, ou outras, na internet, salvo excepções sobre textos violentos sob qualquer ponto de vista: físico ou social. A internet deve continuar a ser um espaço de liberdade e igualdade.
O PI vai reagir judicialmente, porque não aceita que o Tribunal e a Justiça sejam instrumentos para afirmar que as empresas podem exigir que os comentários negativos sejam apagados ou que os seus textos e marcas valem mais do que as opiniões e denúncias dos cidadãos. Particularmente quando centenas de pessoas denunciam actividades suspeitas de empresas como esta. A liberdade é a base da democracia, porque, antes de mais, significa igualdade. Lutaremos por elas até ao fim.
Pedimos a divulgação ampla desta luta que diz respeito a todos e a todas – é a luta de quem defende a liberdade e a democracia no espaço público, virtual ou não.
Infelizmente o Tribunal colocou-se do lado da empresa de forma mais do que inesperada: na sentença proferida, condena o PI a retirar não todos, mas muitos dos comentários escritos pelos cidadãos que por vezes nem sequer referem a empresa. Como sempre dissemos, nunca faremos qualquer censura nem julgaremos ninguém pelas suas opiniões. Por isso, discordamos frontalmente da sentença executada.
Apresentamos alguns factos:
- A empresa em causa, Ambição Internacional Marketing, exige que se retirem os comentários sobre um texto que é sobre outra empresa, Axes Market, e não sobre qualquer texto em que fosse citada.
- A Ambição International Marketing, que avançou com o processo, nunca pediu direito de resposta ao PI e nunca dirigiu qualquer carta ou contacto ao movimento.
- Nenhuma das empresas (ou talvez a mesma com nome diferente) avançou com qualquer processo ou queixa contra quem escreveu os comentários. Portanto, o que preocupa a administração da empresa é a liberdade de expressão na internet. O mesmo preocupa o Tribunal.
O resto do comunicado está disponível em "Ler mais".
Sentença disponível aqui.
O movimento Precários Inflexíveis defende e defenderá sempre a liberdade de expressão e a igualdade na exposição de textos e ideias, críticas, ou outras, na internet, salvo excepções sobre textos violentos sob qualquer ponto de vista: físico ou social. A internet deve continuar a ser um espaço de liberdade e igualdade.
O PI vai reagir judicialmente, porque não aceita que o Tribunal e a Justiça sejam instrumentos para afirmar que as empresas podem exigir que os comentários negativos sejam apagados ou que os seus textos e marcas valem mais do que as opiniões e denúncias dos cidadãos. Particularmente quando centenas de pessoas denunciam actividades suspeitas de empresas como esta. A liberdade é a base da democracia, porque, antes de mais, significa igualdade. Lutaremos por elas até ao fim.
Pedimos a divulgação ampla desta luta que diz respeito a todos e a todas – é a luta de quem defende a liberdade e a democracia no espaço público, virtual ou não.
+ link para o PDF dos comentários que os tipos também querem acautelar : http://aventadores.files.wordpress.com/2012/05/precc3a1rios-inflexc3adveis_-testemunhos-sobre-a-axes-market.pdf
Cat People
Curiosa a tribo que formamos, sós
que somos sempre e à noite pardos,
fuzis os olhos, garras como dardos,
mostrando o nosso assanho mais feroz:
quando me ataca o cio eu toda ardo,
e pelos becos faço eco, a voz
esforço, estico e, como outras de nós,
de susto dobro e fico um leopardo
ou ando nas piscinas a rondar –
e perco o pé com ganas sufocantes
de regressar ao sítio que deixei
julgando ser mais fundo do que antes.
A isto assiste a morte, sem contar
as vidas que levei ou já gastei.
Margarida Vale de Gato
Mulher ao Mar, Mariposa Azual
Lisboa, 2010.
eis que
à laia daquelas mães que enviam as fotos das criancinhas para o canal Panda,
submeti o Manjerico como Literary Cat et voilá!
submeti o Manjerico como Literary Cat et voilá!
Não. Assim, não.
juramento de Hipócrates |
De facto, o modelo “ofender a dignidade dos cidadãos a qualquer custo“ está a ser largamente praticado pelos vossos* presidente da república e primeiro-ministro. Não seria de esperar atitude mais digna de um chico-esperto do marketing contratado por um palerma da propaganda médica.
#1 Pelo que li, há questões de rigor científico que não estão asseguradas na campanha e isso é grave
#2 Por favor, não ofendam a nossa inteligência, as empresas farmacêuticas/de dispositivos médicos não têm em primeira linha a causa mas antes a €causa$
#3 Ao Sr. Rui Reis (investigador e presidente da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular), tenho a dizer que é importante não dizermos patetices como «Não “vê nada de mal no anúncio”» e sugiro que volte à escola de ética ou deixe de ser dissimulado pois, apenas por ignorância ou fingir cegueira é que não se identifica a maldade inerente
#4 À personagem André Gomes (administrador da Crioestaminal) pergunto: se a intenção é «precisamente provocar este debate, na medida em que “85% das células do cordão umbilical não vão para bancos privados ou para o público, mas para o lixo”» porque é que a campanha se dirige especificamente aos pais mostrando uma criança num cenário de hospital e não mostra antes uma mesa de ministros e administradores hospitalares a serem questionados?
#5 Também ao ser vivo referido no ponto anterior, peço novamente que não tente ofender a nossa inteligência com isto: “Se reparar, nunca se diz para os pais escolherem a Crioestaminal”
#6 Ainda ao mesmo respirante, um conselho: se pensa que “têm sido mais as críticas positivas que as negativas” tente rodear-se de pessoas diferentes das do habitual pois pode estar a limitar o seu leque de opinião, mas isto é um conselho apenas tendo em conta que esteja a falar verdade e tenha vontade sincera de fazer um trabalho melhor pela tal causa. De nada, o conselho é totalmente grátis.
#7 Isto não encaixará num qualquer tipo de "Bullying a futuros pais" (chamemos-lhe assim)?
#8 A futuros pais: a minha solidariedade, não deve ser fácil lidar com propagandistas agressivos numa fase tão bonita e ainda assim tão frágil e periclitante.
nota: acabaram de assistir a mais um momento [margarete não poupa no latim, podia ter simplesmente dirigido a seguinte pergunta aos seres vivos da Crioestaminal: sois apenas uns energúmenos ou umas bestas?]
* condescendam, por favor, ando em negação de tipo “não são meus”
adenda em 21/Maio: "O deputado bloquista João Semedo exigiu esta segunda-feira junto do Instituto do Sangue e da ERC a suspensão imediata da campanha da Crioestaminal e a abertura de um inquérito por violação da lei da
publicidade." e... "Crioestaminal suspendeu anúncio polémico"
O Dia da Espiga
imagem dali |
Não vou mentir, nem pôr com meias-medidas: ser filho de emigrante é difícil. Na melhor das hipóteses, o que nos pode acontecer é ter este maldito sentimento ambivalente de se querer fazer a vida em ambos países. E isso sou eu e mais alguns. Há pessoas a quem a coisa fica mais difícil, mas não me apetece falar do contrário de fácil. Apetece-me falar de rir e do sentimento de se ser a sorrir.
Ontem foi dia da espiga o que, apenas pelo nome, me remete a 1981, ano em que vim com os meus pais e irmã viver para Portugal. Lembro-me dos ramos de espiga nas minhas primeiras observações das casas. E lembro com tanta ternura os nossos passeios do dia da espiga. Ah, benditas professoras que apanhei naquela escola primária. Era tudo a preceito, até os puxões de orelha, isso é conversa para outro dia mas quero já deixar bem claro que só levei um e foi merecido, vá.
Cheguei de Toronto, duma grande escola de cidade com as condições físicas que as nossas escolas começam a ter agora, essas tão mal-amadas do “projecto escolar” e fui para uma escola de aldeia com duas salas. E era linda, eram ambas lindas, as minhas escolas da primária (estão agora a ver o drama de ambivalência desta moça?). O chão espinhado de madeira, as janelas enormes, a salamandra ao canto, as carteiras ainda com tinteiro, os cheiros, oh, as madeiras, o cheiro de lápis de cera cisne e lápis viarco e papel e borrachas pelikan, e o pinhal que entrava pela frente da escola e os eucaliptos por detrás, e nós de bata lavada, como gostei daquilo, vivi tudo ao pormenor. E as brincadeiras. O ringue, o lobo na serra, o macaquinho de chinês, o limão, e a triste viuvinha.
A vida portuguesa cedo nos mostrou o choque e eu não estava distraída, vi bem a minha mãe e a minha mana, cheguei a rezar à noite para que voltássemos para o Canadá, precisava de as ver felizes de novo, mas o ar que recebeu as minhas orações não me ouviu e nós fomos ficando. E eu sem dificuldades de adaptação. Ia dar de comer aos porcos com o meu avô e brincava horas sozinha porque os outros meninos não eram autorizados, tinham de ir para as fazendas, ou tratar de irmãos mais novos ou, simplesmente, aproveitar o resto da luz do dia para fazer os trabalhos de casa e evitar o petromax. Mas era feliz, tinha muito para fazer lá pela aldeia. Até um cão eu passei a ter, e depois outro e outro e, pronto, nunca mais deixei de ter bichos na minha vida.
E adorava a escola e os seus rituais: pedir a bata à minha mãe quando a outra ia para lavar, o saquinho de pano onde levava o papo-seco com manteiga ou marmelada, a minha mala da escola, o leite que nos davam na escola numa caneca de plástico, havia de várias cores. E, depois, a envolvência dos dias festivos. Adorei aprender os costumes de cada data. E as palavras, lembro perfeitamente de aprender a palavra “consoada”, por exemplo. O dia do bolinho e a saca do pão mais bonita, imaculadamente lavada e impecavelmente engomada. E os dia da espiga. A sensação era sempre de que vinha mesmo a calhar. A Primavera iniciada, a vontade de estar mais tempo no recreio do que na sala de aula, a eternidade de tempo que ainda faltava para o início das férias grandes (em Junho, oh santa noção do tempo que as crianças têm), todos estes factores juntos faziam do dia da espiga um acontecimento maravilhoso. Lá íamos nós para a escola nessa manhã, com outro acordar. E eu sabia que era uma coisa que vivia porque vim para Portugal. O resto, o passeio pelo campo com as professoras, podem imaginar, basta aceder ao vosso imaginário bucólico. Naturalmente, ao voltar para a sala de aula, fazíamos um desenho e escrevíamos uma redacção: O Dia da Espiga.
Dia Internacional Contra a Homofobia
homofobia mata
não há "formas pacíficas" de homofobia
não há "formas pacíficas" de homofobia
a homofobia mata!
clicar para aumentar |
Olh'ó pugrama das festas em Coimbra:
«concentração às 17h no Jardim do
Mosteiro Santa Clara-a-Velha, a saída pela ponte de Santa Clara em
direcção à Portagem às 17h30, a Leitura de Manifesto e o “Beijaço I” às
18h30 na Rua Ferreira Borges e, por fim, a chegada à Praça da República
às 19h30 como uma segunda sessão do “Beijaço”.
Depois da marcha há ainda um arraial a começar às 20h no Jardim da Sereia e a “Festa Fora do Armário”, com “show de transformismo”, a partir das 23h no Pop Fresh, junto à Praça da República.»
awww :)
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o blogger deixa-me pintar os caracteres de branco, mas a cábula original é esta:
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estou triste como a noite, como diria a minha avó
sinto que perdi um amigo, mas nunca o conheci
tive a oportunidade de o ver ao vivo algumas vezes e a felicidade de o aplaudir dizendo "obrigada! obrigada!"
estas expressões tomam uma dimensão tão real que faz doer: morte prematura; choque; perda para a humanidade; consternação; desolação; tristeza; incompreensão
no limite da irrazoabilidade, quando soube, na 6ªfeira cerca das 17h ouvindo a Antena 2 no carro, tive uma reacção péssima, achei que qualquer coisa de errado havia com o radialista que teimava em anunciar o "desaparecimento" de Bernardo Sassetti, que absurdo!, pensei
entrei no registo: "não quero aceitar esta partida", como se pudera adiar esta mágoa
uma mágoa que, diferente e para além da da família, pertence a estranhos quando alguém se apresenta de forma tão grande na sociedade
vai fazer-nos muita falta, este homem
estou triste como a noite
é divulgar isto/ denunciar
via Mr Lisbon
A RESPOSTA A ESTAS PERGUNTAS NÃO PODE SER "É O RESPEITO PELO DIREITO À DIFERENÇA"
1 - Durante quase dez anos, o que andou a ser discutido e julgado no processo-Casa Pia?
2 - O que justifica que o que é considerado comportamento criminoso para todos os cidadãos de um país possa ser objecto de excepção para uma particular comunidade?
3 - Quanto tempo vai decorrer até que quem escreveu "Atento
o meio cultural em que esta menor se insere, não existe qualquer medida
de promoção e protecção que se adeque à sua situação" seja compulsivamente exonerado?
my middle finger might salute you
t-shirt |
“Não queremos perder vendas (...). A prioridade é a venda, não é o lucro”, justificou, em entrevista à SIC Notícias, Alexandre Soares dos Santos
“Eu não minto, não engano, nem ludibrio os portugueses”, respondeu Vítor Gaspar
dois homens cheios de virtude(s)
isto comove, pá
Não entendes aquelas parras largas a secar cobertas de poalha azul do sulfato
Eu trazia o livro comigo num dos nossos encontros, mas não
foi dessa vez que te mostrei este excerto. Foi depois, online, evoco o quão maravilhado ficaste, estavas. E entusiasmaste-me. E talvez tenhamos brincado com a minha pergunta: Quantas vezes dissemos curriculum vitae?
Vou lendo e relendo a tua escrita, devagar como se fosse possível enganar-me.
E questiono-me acerca de alguns pressupostos da memória que vou lendo por aí.
Vou lendo e relendo a tua escrita, devagar como se fosse possível enganar-me.
E questiono-me acerca de alguns pressupostos da memória que vou lendo por aí.
Não chego a conclusões nem a ideias com corpo, e fico de roda
da sugestão de que as palavras são os últimos resíduos dos que um dia foram vida em nós. Mas distrai-me mais
a vontade de ter como te enviar mensagens ou talvez seja o que me traz o coração a bater tão forte (?) ou talvez lhe chame apenas um dor "cerimoniosa". (não sei)
~
Tu vais por uma vinha afora, que é vinha grada por todos ao
lados, pela tua frente, pelo teu detrás, pelos lados, até perder de vista. Não
entendes aquelas parras largas a secar cobertas de poalha azul do sulfato, nada
as rilhou e as uvas ainda pequenas e inteiriças mas secas, cachos mindinhos
como que de amoras verdes gigantonas mas palha, os galhos que é uma força, o
lenho escuro deles a mal distinguir-se da negrura das folhas ressequidas, dos
bagos secos como semente de cânhamo. Por cima daquela terra sem água, bocarras
pretas a abrir-se onde o zebrado das fendas é mais profundo, regos finos como
os de palma da mão a abrir trilhos de abismo a abismo. E em cada pedaço
inteiriço da terra barrosa, vermelha, morrões secos a rilharem debaixo dos teus
pés descalços carmesins do pó dela, alevanta-se airoso e carregado de pó um
novo pé de videira.
a pessoa e divindades num tempo, num espaço, numa forma
(estar atenta, ou, porque não estou sozinha: estarmos atentos)
I. Teorias
O emergir de grupos radicais em
tempos de tumulto
é um fenómeno esperado,
óbvio, de fácil
implementação. Ao
contrário das dúvidas
que nos assolam em provérbios face às
bruxas,
estes existem. Sempre
existiram,
mais ou menos assumidos, são nossos vizinhos. Todos
sabemos disso. Eu, por
vezes, gosto de ficar
a um canto a brincar à
infância, sem fingir
preciso de me distrair deles. Para
sobreviver
a uma existência zangada, coisa que não é para mim,
pois cansa sem consumir
as energias devidas, de
vidas
leva os restos de dia pelo cano abaixo.
Há já algum tempo, recusei as preposições
de passar pela vida de forma incompatível
com o meu corpo. E não me confundo
com teorias tortas no
hedonismo.
II. Crítica das Certezas
Em parecendo que estou cheia de
certezas,
não estou,
e estou, obviamente.
Faz parte a contradição,
para que seja equilibrado
e seguro,
porque é mesmo de segurança que
falo.
E da amabilidade e da ideologia.
E de sinceridade e da ideologia dela.
E do adormecimento e da
pretensão
de
se ser
um
ser acordado.
E da mediocridade que, obviamente,
tu
que lês
não tens.
E dos poetas, que também eles usam
deus.
E, em exemplo de certeza: as
teorias radicais
jamais
nos podem
garantir deus, pai,
também elas têm um buraco, e é um buraco
que vem tocar directamente, sem
desvios,
nos nossos
corpos.
E eu,
isso, não deixo
que aconteça.
III.
Afirmação
Antes a morte.
E é uma pequena morte
que acontece
naquele momento em que, conversando
com alguém
que destapa o véu,
e, depois de uns segundos de
impasse,
somos forçados a optar
por uma das hipóteses:
fazermo-nos de parvos;
sorrir sem aceder;
marcar posição.
IV. Ludo
Nunca fui muito boa com jogos.
Talvez me safe em jogos de “palavras
proibidas”
mas isso está justificado pela deformação
profissional no que respeita uma
certa ginástica
lexical.
Portanto, acreditem, nunca fui muito boa
com jogos.
Acontece que nos exprimimos mal
– nós, os maus a jogar,
ao dizer
correntemente “não sou bom (ou boa)
com jogos”.
E creio
que, alguns jogadores não
entendem
isso,
o que os deixa em desvantagem. Nós
até podemos ser bons
”com”
jogos, não somos bons
é a jogar
propriamente, no campo de
batalha
somos uns nabos
mas isso não quer dizer que não sejamos
bons
na análise do jogo, por exemplo.
Ou seja,
e indo
ao cerne da questão:
sou boa a analisar jogos, e provavelmente
só não sou boa
a jogar porque é enfadonho.
Medir forças é
chato, é uma seca.
(e ninguém é bom juiz em causa própria)
(e ninguém é bom juiz em causa própria)
V. Abstracção
Confesso que até o
entretenimento de observar
pessoas a medir forças
se tornou demasiado batido.
E é verdade que encontro
poucas zonas humanas
isentas de competição.
VI. Ciúme
Começando pelo fim:
até nas artes, ladies and gentlemen,
até nas artes, se medem forças.
Ou antes: ladies
and gentlemen,
começando pelas artes.
VII. Ciência
Dirão os teóricos das medições
de forças
que estas são o mote da evolução, do seu crescendo.
Mas ‘inda não cheguei
a uma lógica que sinta
nas peles do meu
corpo. Quando muito, sinto
na minha mesquinhez, mas passa
tão rápido. É tão efémera a
vitória.
VIII. Imaginários e cisma
Ou seja, não quero ganhar – nada
– a ninguém.
Ou, para ser mais honesta e menos hipócrita,
não quereria
ganhar
– nada
– a ninguém.
Sem ter
de estar
no meu canto
a evitar
o confronto, desejaria poder mover-me
sem ter de fazer o silêncio que faço
quando alguém
tenta velar um triunfo a que se declara.
Chega a ser
cá
duma canseira ter de fingir
duma canseira ter de fingir
que sim,
que ganhaste
a tua batalha imaginária.
Tu ou ele, aqueloutro, daqui e
dali.
XIX. Preferências
Enfim, tudo isto para explicar porque é
que,
tu – tu mesmo, exacto,
és a minha pessoa preferida: tu
– tu mesmo, não jogas.
E isto sem falar dos “porque” que se podem ler
no poema da Sophia,
acrescido
de mais alguns
que logo te direi. Para o caso
de não saberes,
mais logo tos direi.
E és a minha pessoa
preferida.
Contigo não tenho de
estar no canto
(nem, muito menos, chutar para
canto).
Não se trata de baixar armas,
como quem fala de defesas. Não
é um baixar
da guarda
temporário, onde jogos são
logo-logo retomados.
Tu, simplesmente, não jogas.
E eu, simplesmente, divirto-me a aprender-te.
É verdade
que fico embaraçada por ver o
engano nalguns
que até a palavra
“imberbe” podem tentar
incluir nessa sintaxe. Por
vezes, ficamos
embaraçados
pelos outros, não é? É possível este exercício
de estimar dias pelo embaraço
que outros causem em nós:
que outros causem em nós:
se é um dia
com poucos embaraços, esteve-se bem rodeado;
se é um dia com muitos
embaraços, urge chutar para canto.
X. Feitio
E esta inspiração toda a somar parágrafos
sobre os radicais e os jogos e os chutos,
onde muitos já se perderam, para
dizer que não
há como:
chegar a casa ao final do dia, mandar cantar um cego
e mandar calar
os energúmenos
que se dão ao
luxo de desprezar o conforto
garganteando
o seu negócio cheio dele,
do ócio,
afinal;
chegar onde me trazes uma casa
onde posso atentar
aos misóginos
do sexo
aluado sem
potência, por isso mesmo,
aluado;
chegar onde me trazes a
inteligência
que ris para
dentro das palavras
dos que
gostam de dizer
“imberbe”,
e estar nessa
casa onde me acordas
para dentro
da verdade que, explicas-me,
os que dizem
“imberbe” fazem-no
por feitio,
não por defeito;
e depois,
saber que é por isso
que não pode
haver lugar
para o
radicalismo
e peço
desculpa à humanidade
por me
distrair amiúde;
XI. Um pouco mais de conciliação
peço desculpa;
desculpa-me;
e eu desculpo, em nome da humanidade;
eu desculpo; (sem
voltar a embaraçar-me
pelos
outros, por outros, e, oh,
eis
o embaraço por mim)
(que
desculpo, me)
XII. Apelidar o lugar
não há como chegar a uma casa e não ter de
acender um
lume radical
porque
o fogo,
o fogo
é a
fraternidade e,
sem saber se
poucos,
haveremos de
ser muitos
atentos
guardiães do
fogo
o seu nome: confiança.
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