sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

Eufémia

desde que começara a ler. mais uma das componentes da sua nova vida. Eufémia sentia-se quase enlouquecer ao perceber o que não sabia, quantas palavras escritas em vão, quantas outras não lidas, em vão. não tinha método na escolha das suas leituras. um livro era lido por ser recomendado. um livro era lido por saber do renome de seu autor. um livro era lido porque a sua capa era bela. um livro era lido pelo título que lhe fora atribuído.

este livro era lido pelo título que lhe fora atribuído Uma Desolação, de Yasmina Reza. Eufémia fica muitas vezes parada diante de certas frases que vê formadas, tomando sentido, traduzindo o sentido que ela não sabia estar escrito assim. pára diante de um excerto, lembra-se de Alberto, do dia em que o conheceu no banco do jardim.

lembra-se de Alberto lhe aconselhar a ler Fernando Pessoa (desse já havia ouvido falar...). cartas ridículas. Eufémia olha o exercto de texto da desolação e sorri. pensa o quanto ignorava que antes seria incapaz de escrever uma carta ridícula. antes.

relê o excerto «um dia recebi um bilhete de Léo, e digo-lhe desde já que se trata de uma frase de Louis Aragon, que ele tinha desencantado não sei onde, porque, como sabe, o Léo praticamente não lia (...) tinha escrito numa folha de papel de máquina dobrada em quatro: Não leias esta carta, lê a outra, a que eu rasguei. imagina que eu rasgo constantemente uma carta, uma espécie de carta...»

Eufémia continua a sua leitura e volta a parar. «ainda me acontece querer decifrar palavras nunca escritas, nunca formuladas e nunca escutadas.»

depois de outra pausa, Eufémia continua. «há mulheres que se vangloriam de saberem prender um homem dessa maneira. A mim, pelo contrário, isso sempre me tornou muito vulnerável. Quando se está nos braços de um homem com reputação de conhecer as mulheres, pensamos se somos decepcionantes ou banais.»

Eufémia pára, fecha o livro.





Sem comentários: