(estar atenta, ou, porque não estou sozinha: estarmos atentos)
I. Teorias
O emergir de grupos radicais em
tempos de tumulto
é um fenómeno esperado,
óbvio, de fácil
implementação. Ao
contrário das dúvidas
que nos assolam em provérbios face às
bruxas,
estes existem. Sempre
existiram,
mais ou menos assumidos, são nossos vizinhos. Todos
sabemos disso. Eu, por
vezes, gosto de ficar
a um canto a brincar à
infância, sem fingir
preciso de me distrair deles. Para
sobreviver
a uma existência zangada, coisa que não é para mim,
pois cansa sem consumir
as energias devidas, de
vidas
leva os restos de dia pelo cano abaixo.
Há já algum tempo, recusei as preposições
de passar pela vida de forma incompatível
com o meu corpo. E não me confundo
com teorias tortas no
hedonismo.
II. Crítica das Certezas
Em parecendo que estou cheia de
certezas,
não estou,
e estou, obviamente.
Faz parte a contradição,
para que seja equilibrado
e seguro,
porque é mesmo de segurança que
falo.
E da amabilidade e da ideologia.
E de sinceridade e da ideologia dela.
E do adormecimento e da
pretensão
de
se ser
um
ser acordado.
E da mediocridade que, obviamente,
tu
que lês
não tens.
E dos poetas, que também eles usam
deus.
E, em exemplo de certeza: as
teorias radicais
jamais
nos podem
garantir deus, pai,
também elas têm um buraco, e é um buraco
que vem tocar directamente, sem
desvios,
nos nossos
corpos.
E eu,
isso, não deixo
que aconteça.
Antes a morte.
E é uma pequena morte
que acontece
naquele momento em que, conversando
com alguém
que destapa o véu,
e, depois de uns segundos de
impasse,
somos forçados a optar
por uma das hipóteses:
fazermo-nos de parvos;
sorrir sem aceder;
marcar posição.
IV. Ludo
Nunca fui muito boa com jogos.
Talvez me safe em jogos de “palavras
proibidas”
mas isso está justificado pela deformação
profissional no que respeita uma
certa ginástica
lexical.
Portanto, acreditem, nunca fui muito boa
com jogos.
Acontece que nos exprimimos mal
– nós, os maus a jogar,
ao dizer
correntemente “não sou bom (ou boa)
com jogos”.
E creio
que, alguns jogadores não
entendem
isso,
o que os deixa em desvantagem. Nós
até podemos ser bons
”com”
jogos, não somos bons
é a jogar
propriamente, no campo de
batalha
somos uns nabos
mas isso não quer dizer que não sejamos
bons
na análise do jogo, por exemplo.
Ou seja,
e indo
ao cerne da questão:
sou boa a analisar jogos, e provavelmente
só não sou boa
a jogar porque é enfadonho.
Medir forças é
chato, é uma seca.
(e ninguém é bom juiz em causa própria)
V. Abstracção
Confesso que até o
entretenimento de observar
pessoas a medir forças
se tornou demasiado batido.
E é verdade que encontro
poucas zonas humanas
isentas de competição.
VI. Ciúme
Começando pelo fim:
até nas artes, ladies and gentlemen,
até nas artes, se medem forças.
Ou antes: ladies
and gentlemen,
começando pelas artes.
VII. Ciência
Dirão os teóricos das medições
de forças
que estas são o mote da evolução, do seu crescendo.
Mas ‘inda não cheguei
a uma lógica que sinta
nas peles do meu
corpo. Quando muito, sinto
na minha mesquinhez, mas passa
tão rápido. É tão efémera a
vitória.
VIII. Imaginários e cisma
Ou seja, não quero ganhar – nada
– a ninguém.
Ou, para ser mais honesta e menos hipócrita,
não quereria
ganhar
– nada
– a ninguém.
Sem ter
de estar
no meu canto
a evitar
o confronto, desejaria poder mover-me
sem ter de fazer o silêncio que faço
quando alguém
tenta velar um triunfo a que se declara.
Chega a ser
cá
duma canseira ter de fingir
que sim,
que ganhaste
a tua batalha imaginária.
Tu ou ele, aqueloutro, daqui e
dali.
XIX. Preferências
Enfim, tudo isto para explicar porque é
que,
tu – tu mesmo, exacto,
és a minha pessoa preferida: tu
– tu mesmo, não jogas.
E isto sem falar dos “porque” que se podem ler
no poema da Sophia,
acrescido
de mais alguns
que logo te direi. Para o caso
de não saberes,
mais logo tos direi.
E és a minha pessoa
preferida.
Contigo não tenho de
estar no canto
(nem, muito menos, chutar para
canto).
Não se trata de baixar armas,
como quem fala de defesas. Não
é um baixar
da guarda
temporário, onde jogos são
logo-logo retomados.
Tu, simplesmente, não jogas.
E eu, simplesmente, divirto-me a aprender-te.
É verdade
que fico embaraçada por ver o
engano nalguns
que até a palavra
“imberbe” podem tentar
incluir nessa sintaxe. Por
vezes, ficamos
embaraçados
pelos outros, não é? É possível este exercício
de estimar dias pelo embaraço
que outros
causem em nós:
se é um dia
com poucos embaraços, esteve-se bem rodeado;
se é um dia com muitos
embaraços, urge chutar para canto.
X. Feitio
E esta inspiração toda a somar parágrafos
sobre os radicais e os jogos e os chutos,
onde muitos já se perderam, para
dizer que não
há como:
chegar a casa ao final do dia, mandar cantar um cego
e mandar calar
os energúmenos
que se dão ao
luxo de desprezar o conforto
garganteando
o seu negócio cheio dele,
do ócio,
afinal;
chegar onde me trazes uma casa
onde posso atentar
aos misóginos
do sexo
aluado sem
potência, por isso mesmo,
aluado;
chegar onde me trazes a
inteligência
que ris para
dentro das palavras
dos que
gostam de dizer
“imberbe”,
e estar nessa
casa onde me acordas
para dentro
da verdade que, explicas-me,
os que dizem
“imberbe” fazem-no
por feitio,
não por defeito;
e depois,
saber que é por isso
que não pode
haver lugar
para o
radicalismo
e peço
desculpa à humanidade
por me
distrair amiúde;
XI. Um pouco mais de conciliação
peço desculpa;
desculpa-me;
e eu desculpo, em nome da humanidade;
eu desculpo; (sem
voltar a embaraçar-me
pelos
outros, por outros, e, oh,
eis
o embaraço por mim)
(que
desculpo, me)
XII. Apelidar o lugar
não há como chegar a uma casa e não ter de
acender um
lume radical
porque
o fogo,
o fogo
é a
fraternidade e,
sem saber se
poucos,
haveremos de
ser muitos
atentos
guardiães do
fogo
o seu nome: confiança.