Não me sai da boca o sabor agoniado de secreções velhas. É um nojo, bem sei. Não me sai da boca esse danado. Uns disseram-me que falasse para que muito ar passasse nas cavidades a espairecê-las. Outros aconselharam-me silêncio. Já afastei as pessoas para que não tenha de ver os esgares face ao meu bafo. Tenho a casa de banho repleta dos mais revolucionários elixires. Deixei e retomei o fumo, tentei cachimbo, cigarrilha e charuto. Vomitei. Regurgitei. Nada venceu o escarro. Para as cavidades mais estreitas, trago uma bolsa de cotonetes comigo. E um saco de toalhetes. Outro saco para os sujos. São cada vez mais os metros que me distam de outros seres. O telemóvel interrompe tempos-a-tempos a rede, suspeito que sejam efeitos do vapor acre-doce. De nada vale esticar mãos, não tento. Nem ler poemas com as solicitações “ouve-me” ou “toca-me”. Não. Uma espécie de morte nesta vida. Tem sido assim. Tudo em volta do fedor da boca. Hoje, o espanto. Recebi uma carta, uma ordem de despejo. Motivo: a inquilina deixa o átrio e escadas do prédio alagados de sangue à sua passagem. Corri, quer dizer, iniciei uma corrida que interrompi de imediato para verificar que, de facto, ando a deixar um rasto. Percebi, então, a função distractora do fedor da minha boca.
photo de Elena Getzieh, (dali) proposta da lebre :)
6 comentários:
gosh, margarete, que murro no estômago.
(...)
Eu, gostei. Muito!
brutal, margarete.
:)
muita clareza discursiva desta feita, margarete (o que nem sempre posso dizer do que de ti leio) e o efeito é mesmo um impacto muito forte em que lê, como disse blue: 'brutal, margarete'.
bons-dias
pois, n., nunca sei quando e se alguém vai perceber as minhas gatafunhadas
(nem escrevo com essa preocupação, que é assim que acho que deve de ser, né?)
mas sei de uma coisa, fico sempre brutalmente surpreendida quando alguém gosta :D olha, prontos... beijinhos
... e uma festinha no estômago da 'nina-limão :P
beijitos para a Syl e a Blue
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