Estes são os nossos rostos. Num dia qualquer, uma dor de barriga leva o teu médico de família a xaropar-te por 6 meses seguidos. Quando, finalmente, te ouve dizer que estás com enjoo do doce que tomas às colheres de sopa, envia-te ao hospital da cidade grande com um papelito verde rabiscado. Entras, procuras o guichet, entregas a folha oficialmente verde a alguém e dás por ti dentro do circuito. A roda-viva começa enquanto brotam por todos os teus orifícios pensamentos de mortalha. Dos ouvidos saem as fantasmagorias da morfina, das narinas saem as imagens da tubagem necessária à saúde, segundo a definição da OMS, entenda-se, das órbitas saem os berros de encerrar as pálpebras à realidade que cada sala de espera arrebata. Estes são os nossos rostos, que pesam mais ou pesam menos consoante as calorias que terás ingerido ao pequeno-almoço. Um dia qualquer, percebes que andas a perder o apetite, alguns dias depois reparas que as calças estão largas, tomas o xarope 6 meses antes de ires parar àquele sítio com o papel verde-doença. Um dia qualquer, abalo. O meu argumento incluirá planos de fuga, planos extraordinários que me impedirão de ver estes nossos rostos macilentos. Os únicos rostos que verei serão rosados. Estipularei a eutanásia entre-amigos. O argumento não será auto-suficiente e sei que será sobejamente frágil na sua concepção - assim como nós, quando somos precipitados por arrepios de realidade nas salas de esperar não-ventiladas.
the body breaks, Devendra Banhart
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