aceleram o passo pelas vielas. vão juntas. as duas. o ar está inconfundível. são elas, são ciganas, não enganam! vagueiam por aí de violino em riste a acompanhar as concertinas. sabem de onde vêm. e, houvesse maneira de saber... nem por isso interessar-lhes-ia para onde vão. cumprem o expediente. saberiam arregaçar as saias para esfregar o chão. sabem que se diz sim, senhor, por favor e obrigada. sabem muitos preceitos. pusessem mãos à lida e fá-la-iam com brio. porém, não conseguem andar com o cabelo penteado. tentaram, mas não conseguem. são distraídas em consciência, não querem gastar a energia em actos cândidos. preferem a fogueira. antes arder! dizem muitas vezes. em instantes muitos sentem tanta verdade no corpo que desejariam a evolução. não são meninas de Velásquez. são ciganas. juntam-se as duas à esquina a tocar os violinos e a dançar o solidó. as saias rodam à medida que libertam frases a representar a sua humanidade. dizem-se isto e aquilo sobre os seus amados, e também sobre os seus desejados. parem frases sobre os filhos todos, olham-se as almas por vezes afligidas. cantam sobre a música que tocam. e tocam música sobre o amor que fazem. prometeram-se um bolero de cada vez que conseguem proferir uma frase certeira sobre qualquer decisão atingida. vivem prioridades. comer, beber, foder, esses acontecimentos vulgares do corpo. entretanto, amam e não proferem frases do amor. essa coisa. dizem que os corpos são perfeitos para amar quando, dentro, o coração sente-se. dão meia-volta, andam ao redol com os violinos e, por vezes, com uma gaita-de-beiços, fazem música. têm amores-perfeitos nos canteiros e cravos vermelhos nas jarras. amassam o próprio pão. as saias são mundos de tecido. é nos bolsos das saias que guardam as apoquentações, quando dançam vão sendo libertadas pela força do torvelinho delas. são ciganas, não escrevem frases, sentem-nas.
avé dor maria, Tom Zé
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