sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

uma história banal

era a sétima de treze filhos de adosinda e manel, deolinda, como todas as crianças de aldeia da sua geração, fez o exame da 4ª Classe e foi trabalhar para as terras. a sua sorte foi o padrinho ter montado um aviário, que começava a ser moda, lá, para as pessoas que viviam na cidade. um dia à noite, o padrinho foi lá a casa, levou uma saca com 15 ovos, exactamente 1 para cada um dos membros da família, oferenda muito rica. pediu aos pais de deolinda que a deixassem ir trabalhar para o aviário. assim foi, mas nem por isso a vida se lhe tornou mais leve do que na lavoura, aos 11 anos teve de enfrentar 12 horas de trabalho por dia, o calor, o pó, o cheiro forte dos excrementos das galinhas como um ácido que lhe corroia as narinas. deolinda sempre fora muito fácil de aprender, rapidamente o padrinho a ensinou a mexer nas contas, até lhe deu uma chave do escritório. passou a trabalhar 15 horas por dia. um dia, no caminho para casa, o armindo falou-lhe, perguntou-lhe se era gosto dela que ele pedisse ao seu pai autorização para o namoro, sim. durante o resto do caminho confirmou a si própria que fizera bem em dar um sim ao armindo, pois já ia fazer 17 anos, e não podia perder a oportunidade de casar. namoraram sentados nos mochos, ora com o irmão mais velho de deolinda como vigia, ora com a manita mais nova, aquela endiabrada que era o gosto de todos lá em casa. casaram, receberam boas prendas: taças, colheres e garfos - meia dúzia de cada; uma panela e um tacho; um alguidar de barro; dois cobertores e dois jogos de lençóis; a cama fê-la o irmão, e o colchão fê-lo ela e o pai, de camisas de milho. o que ainda não contei é que eles tiveram uma prenda muito mais importante: uma casa! pois é, uma casa! o padrinho de deolinda (que por sinal nunca lhe dera ordenado em 7 anos que trabalhara no aviário; mas nunca lhe faltou com o almoço e a merenda!) ofereceu a casa aos noivos! - com a condição de voltar a ser padrinho, de casamento e do primeiro bebé. este fora o melhor padrinho que adosinda e manel haviam escolhido para qualquer dos seus filhos. era uma casa quadrada, com cozinha e dois quartos e uma casinha de exterior. atenção! não era uma casa caiada, não senhor! era uma casa pintada! de azul claro, como o céu, pensou deolinda. (continua)

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