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Felicidade
atenção
post reproduzido na íntegra, do
blog
insónia
De todas as dúvidas radicais, a mais radical de todas é esta: o que é a vida? Logo a seguir surge a pergunta sobre a felicidade, pois ninguém que se questione sobre a vida pode, se for honesto, deixar de lado a questão sobre a felicidade, já que vida e felicidade não fazem sentido uma sem a outra. Não há perspectiva segundo a qual a felicidade faça sentido sem a vida, ainda que possa haver quem pretenda sustentar fazer a vida sentido sem a felicidade. Estaremos, porém, a ser honestos se assim procedermos? Creio que não. No Capítulo II do
Diálogo Sobre a Felicidade
, Santo Agostinho diz que
«quem determina ser feliz deve adquirir o que é sempre permanente e não pode ser destruído por nenhum revés da fortuna»
. Esta ideia de que a felicidade está dependente do perene, do que não está sujeito às circunstâncias, mais ainda da posse do que é sempre permanente, não é exclusiva do cristianismo. Há toda uma tradição filosófica ocidental que assenta a felicidade nesse princípio da perenidade. Para um ateu tudo isto é estranho, pois para um ateu tudo muda, nada é permanente. Ou quase tudo. Nos tempos hodiernos torna-se muito difícil aceitar esta concepção da felicidade, dado tratarem-se de tempos marcados pelo efémero, motorizados pela moda, esgotados na percepção de que tudo é passageiro. O filme
Happiness
(1998), de Todd Solondz, mostra-nos esses tempos encarnados em personagens quotidianas que são também um reflexo da alienação promovida pela organização da vida social. Talvez essas personagens, como qualquer um de nós, pretendam
«adquirir o que é sempre permanente e não pode ser destruído por nenhum revés da fortuna»
- isto se pretendermos ser felizes à maneira de Santo Agostinho. Porém, a vida não deixa. Traições, frustrações, recalcamentos, solidão, descambam numa encenação permanente dos comportamentos que, sob a capa aparente de uma felicidade artificial, disfarça a mais cruel das evidências: não há felicidade possível num mundo que nos obriga a ser o que (e quem) não somos. Não sei se essa impossibilidade é já consequência do tal esgotamento da perenidade, ou seja, da sensação de que tudo é passageiro, efémero, modal e, como tal, nada é permanente. É provável que o mais permanente de tudo seja mesmo essa sombra de efemeridade que hoje se abate sobre todas as coisas. Por outro lado, podemos afirmar, não sem algum cinismo, que o ser que se esconde atrás das máscaras com que enfrentamos o mundo exterior é também ele perene, vivendo apenas amordaçado e impedido de se manifestar por tal nos ser tão difícil. Dizia W. Somerset Maugham, numa das minhas passagens preferidas de
Exame de Consciência
, que se confessássemos cada pensamento que nos atravessa o espírito, o Mundo nos julgaria uns monstros de depravação. Não devem existir grandes dúvidas quanto a isto, assim como não devem existir grandes dúvidas de que é a ameaça desse julgamento que nos impede de sermos quem somos. A conquista da felicidade deverá ser, então, a conquista de nós próprios, uma espécie de reconquista do que de nós foi usurpado pelo Mundo. O raciocínio é este: se a felicidade consistir na aquisição do que é permanente, partindo do princípio que na minha vida nada há mais permanente que eu próprio, então a felicidade consistirá na aquisição de mim próprio, na (re)aquisição da minha própria vida. Só quando tal acontecer eu poderei revelar ao mundo, com a mais adolescente das ingenuidades, o que corresponde à mais maturada felicidade: vim-me, vim-me e (e)s(t)ou feliz
!
por
Henrique Fialho
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