isto agora
saber fazer
(a infância não morreu)
Agora
Faço
Agora há objectividade
a relativizar antes
de irromperem escárnios d’ir.
Não é duro,
a dizer ira
agora agora.
Estou aqui
ainda sentada - em cima - dos ideais______ a saber______ a chacota
ainda a fazer a infância
relativamente abjecta a valer
cravei-a à tona das aparências

[ a cata do resto dos dias nas novas rebentações ]

Engulo o fim esmagado de mais
extravagâncias físicas, tudo
é a fisiologia que deitámos para dentro
da cortesia tratável d’O cadáver.
Não abono nomes à constrição do peito.
Espreito outro pulo no estágio
enquanto a luz se enche a poros
demais. Anil. O que sofro – sofro - é tão
além azulado em penetração, o sol
vem húmido de encontro ao reflexo
desta treva. Não anestesio o resto
do dia. Subo a árvore nua. A minha casca
verte seiva enquanto brotam imaturos
botões nas extremidades. Escoando ingénuas
as paisagens libertinas das novas rebentações.
[ a fraglidade da arte de tecelagem do orvalho ]

No interior desta cadência escura
onde fico ando a espumar
das vistas a pena das luzes
sem a vergonha excito as
extremidades são sim
inertes os olhos escumados
do fundo chegam
rugidos dos infantes
por nascer o sol-e-dó
entranhas a virar o
só-e-dói.
[ cortina de fumo ]
Desmantelou a escultura que fora a prova da sua arte plástica, acrílica, uma caixa acrílica famosa, um paralelepípedo recheado de cigarros que contavam tantos dias quantos os da sua vida eram contados no dia em que deixara de fumar para ter menos morte, mais tarde. No odor da madeira seca, fumou o ar restante diante dos corpos degradantes dos que foram outrora os seus objectos de entrega. Era o mundo, entrara em sua casa e restava. Esfumou suspirando os sons que lhe restavam na memória sem se lembrar que trovador evocava. ah ha ah ah ah ha ha.
Uma casa sem porta. Nunca ali havia estado.

Passear a minha impavidez diante o teu sono a sangue-frio.
na tua humanidade. Não sabes,
dormias
ouvi em meu nome
aflito quase foste um impulso acordado dentro do meu sono que te faria repetir nomes femininos. Muitos.
Isabel. Joanna. Paula. Christina. Sophia. Cassandra. Lilly.
Maria de Fátima.
Maria do Céu.
Maria da Terra.
Maria Gaiteira. Maria Maria Maria.
A lenga-lenga acordou-me
e eu disse estou
aqui foi só um sonho.
Um sono.
No impulso não te acordei. Repetias o meu nome em segunda ressonância previamente planeada
fui afinal fantástica
embalada no despertar.
Éramos nós
eu e o teu sono.
(apertei os lençóis e a terra era
tudo verde húmido, valendo-me
outra vez a redenção no teu corpo. É.
Ouvi-te o que pensei seres tu o teu corpo a valer-me
um pranto pelo meu nome.)
Então foi
a segunda vez que me pronunciaste eras o mesmo que tomara
nos meus braços impedi
quis parecer o teu sono
impus sossego
nas minhas pernas em nome da minha fortuna.
Imperturbada.
A tua voz durou.

Muitos
nomes femininos. Isabel. Joanna. Paula. Christina. Sophia. Cassandra. Lilly.
Maria de Fátima.
Maria do Céu.
Maria da Terra.
Maria Gaiteira. Maria Maria Maria.
um filho assim # 3
A cena é doméstica, o filho desta amiga cresce.
Força aí, m'lher, podia dizer-te qualque coisa como "deixa lá, ele não percebeu o que te pedia... coiso e tal", mas amanho aqui o meu silêncio.
Woody Allen, hip hip hurray ( porque sim )
Porque faço sempre questão de não ler quaisquer sinopses antes do filme, especialmente com realizadores que ocupem lugarzinhos especiais. Porque sim, porque gosto da sensação de sair bem do cinema, (“bem” como quem diz “benzinho, sem declarações idólatras ao filme”) mas dar por mim no dia seguinte a lembrar-me de cenas do filme e a pensar “quero ter este filme na minha colecção”.

I love you, really. With all due respect, you're a beautiful person. You're a credit to your race... I love you, really, you're a beautiful person. I love you, really.
Splendini, the Magician (Sid Waterman)
Sid Waterman: You're a pretty girl. You know, I think you could probably get this guy to get interested in you.
Sondra Pransky (Scarlett Johansson): Oh, you're silly...
S.W.: Yeah, particularly if he's got a twisted mind.
S.P.: How can we meet him?
S.W.: You know, I don't know... They have a class system. He's an aristocrat and, you know, we're... we're commoners. In fact according to his system, we're... I think we're probably classified as scum.
S.P.: Do you have a family?
S.W.: I had a wife but sh... she dumped me if you can believe that.
S.P.: Somehow...
S.W.: She thought I was immature and that I never grew up... I had a great rebuttal for her, I coulda nailed her, you know, but uh... I raised my hand, she would not call on me.
S.W.: I don't need to work out. My anxiety acts as aerobics.
cão certo
![[cao_certo.jpg]](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitgSLcTBee9od-CnPZD7nlF1mdyZgiv7Eyk0W4YrPO2F6VJ_mIpEZHd68Rxqm_G3IvUE5yOv1Z3oYeBWWlXE7tZTO1Gs0NnP9PhAlvj_aN946REjEczo1ZLg3aShU5Ss7ku2jFQMAuYDsV/s1600/cao_certo.jpg)
ah, cããã! ;)
[ reservas naturais ]
novo, não é? Mas se soubesses!...
Tropecei e caí. Pronto. Ia eu andando e
apareceu-me algo à frente. No início não sabia
bem o que era, não sabia se havia de rir ou
chorar, mas tinha de fazer algo, fosse o que fosse.
Só posso chegar a uma conclusão:
É o meu super-homem depois de ter caído num
balde de alcatrão, tadinho. É um herói de banda
desenhada com muitos prédios à frente, só para
me fazer rir, é.
Caí para dentro de um livro, a culpa é dele que
me põe tonta e faz pontaria às aves e diz que
não são pássaros, são os meus hipopótamos cor-
de-rosa – eu queria azuis, mas ele não deixa…
Às vezes eu fico quieta, mas ele não deixa. Às
vezes eu fico calada, mas ele não deixa. Eu
procuro os meus elefantes, mas ele não deixa.
Ele faz-me feliz, eu deixo.
Ele prometeu que me vai ajudar a fazer um
hipofante.
in Ritual de Acasalamento das Ostras de Marta Loureiro
Ed Tema. 2001

Ánima es un trabajo que plantea los temas de la vida y la muerte y de la fotografía como medio para mostrar un espacio intermedio entre ambos. El asunto de la vida y la muerte abre la reflexión sobre el poder que tiene el ser humano sobre el animal y viceversa. Actualmente, el control del hombre sobre la existencia de las especies animales se hace cada vez mayor, y sólo nos quedan los libros de historia y las películas para recordarnos que fuimos vulnerables frente a ellos. (...) Ánima
- instrumentality -
instrumental networks with no meaning for most
people, and pure meaning but no instrumentality -
survival communes - it becomes a very dangerous
world, a world of aliens, aliens to each other.»
Digital Ethnography - The Machine is Us/ing Us: Discussion
via legendas & etc.
Gifts 7.
(okay)
- I'm not perfect.
- I can't see anything that I don't like about you. Right now I can't.
- But you will. But you will. You know, you will think of things, and I'll get bored with you and feel trapped... because that's what happens with me.
- Okay.
- Okay.
- Okay. Okay.
... meet me at Montauk.
publico.pt
relatório da unicef - Child poverty in perspective: an overview of child well-being in rich countries
photo de Sandra Ferrás
pele
Permaneci. A música era tentadora.
Chamei-me
mentirosa
a altos berros. (sabia que a sedução era sedutora e menti)
Então, retirei a maquilhagem,
toda. Embebi vulgares
bolas de algodão em água
fria de rosas.
(esfreguei a cara com o esforço de quem descerra um embuste)
Depois de limpa a pele,
vermelha, juntei o batom encarnado.
A sombra dos olhos era suficiente
nebulosa. A pele esbranquiçou
a tons de olheiras
toldando a feiura. O crime fora hediondo,
perdera a memória do início.
Desci os degraus com a rapidez possível,
lentamente. Caí sentada na areia.
Ninguém passou
(a trovoada convida a audácia de poucas pessoas).
os lábios derretendo encarnados
o pescoço abaixo
encarnado no pescoço
tomou vida
ofegante.
Expurguei a última máscara.
Com a rapidez possível, lentamente,
fechei a porta ante mim despedi-me
sem acenar.
Aguardei, fetal, o soterramento de areia.
Não sonhei nem acordei. Permaneci. Sem a musa
provocadora.

tranquilidade
tudo parece correr bem. tudo se assemelha a uma viagem em velocidade de cruzeiro. calma. para longe. muito longe. nunca chegar. ter a certeza de nunca ser saudado como bem vindo. em nenhuma terra, marte ou júpiter. não querer que ninguém se chegue ou caminhe em volta. no mesmo espaço intersticial em que se segura a pouca vida que resta. tudo corre bem. com o motor desligado.
por jm, n'um rascunho
[ presentes envenenados ]

Hoje trouxeram-me um pouco das minhas crianças, estão todas longe. A minha vida é feita de distâncias.
Longe é sempre demasiado longe.
Não sei como explicar as emoções que me provoca cada uma das minhas crianças, seria até ridículo tentar. Muito para além das alegrias, dos medos, das preocupações, é esta coisa da biografia… a história individual de cada uma que me traz sempre em espanto.
Reconcilio-me com o mundo por momentos. Se digo que me reconcilio, não é porque ande danada com o mundo, mas porque tantas vezes me encontro abespinhada connosco.
Hoje inundou-me um belo estado de graça, foi resultado do pedaço das minhas crianças que me trouxeram.
Por momentos, envenenaram-me o presente, ao regressar a casa, na caixa do correio encontrei panfletos horrendos em campanha pelo “não” no referendo, 3 panfletos com dados mentirosos, sem o menor escrúpulo, de um desrespeito inqualificável. (não me prestarei o desprezo de descrever o conteúdo dos panfletos que nem referem a identificação da origem) Senti-me tão zangada. Passou-me pela cabeça aquele sentimento confuso de impotência: não poderei proteger as minhas crianças disto. Quis reuni-las todas no meu regaço. Quis correr. Quantos de nós não tiveram já daquelas urgências de correr e nos fecharmos numa casa só com os nossos? Sou convicta de que já aconteceu a toda a gente, confesso que a mim acontece frequentemente.
Acalmei. Lembrei-me que isto é assim mesmo e que, enfim, perco-me numa certa ingenuidade quando me esqueço de que a protecção não é negar a realidade às nossas crianças, mas oferecer-lhes o que vamos sabendo sobre como aqui estar. Acalmei.
Regressei à minha lavra que é esta embriaguez acordada e a barriga dessincronizada a manter-me os pés de pé. É o frio das mãos frias arrasado pelo calor real destas ideias. Os nossos. São estas coisas a ferir os medos.
Revolvido de novo cada susto, nenhum se melindrou. Deve ser esta a notícia a espalhar.
E sim, sim à vida que a canção exalta e reconhece. Espalhem a notícia.
Sérgio Godinho
via Daniel Oliveira "Como podem tornar bandeira política uma coisa tão imensa, tão pessoal, tão intima? Como?" no blog Sim no refrendo
CÓDIGOS CRIMINAIS, CÓDIGOS MORAIS E CÓDIGOS ÉTICOS
Lamento ter tido a oportunidade de ver cientistas como a Dra. Jerónima Teixeira distorcer dados dos seus próprios trabalhos para defender uma posição num referendo (que se refere ao tempo limite de 10 semanas de gravidez para a interrupção despenalizada) utilizando a frase pronta-a-comover “para a mãe portuguesa ter conhecimento daquilo que o seu bebé sente no útero antes de tomar uma decisão” referindo, posteriormente, que “existe dor a partir das 20 semanas” mas que, enfim, está a tentar provar a dor antes das 10 semanas (tempo de gestação convenientemente estabelecido neste contexto de referendo?!). É preciso explicar quão baixo foi este golpe à ciência e às grávidas (não mães)? Também foi lamentável ver o Professor Manuel Antunes mostrar dois gráficos, comparando o aborto na Inglaterra, entre 1969 e 2002 sem qualquer contextualização.
Desalento, é o sentimento que fica quando se vê um cientista actuar assim, mas isto sou eu que acho que a medicina é uma ciência nobre e tenho a mania de pensar que se deve respeitar a ciência separando-a de crenças pessoais.
Organização Mundial da Saúde
“Os governos têm de avaliar o impacto dos abortos inseguros, reduzir a necessidade de abortar e proporcionar serviços de planeamento familiar alargados e de qualidade, deverão enquadrar as leis e políticas sobre o aborto tendo por base um compromisso com a saúde das mulheres e com o seu bem-estar e não com base nos códigos criminais e em medidas punitivas."
O testemunho de Ana Lourenço
"Blowing in the wind"… Lembrei-me da famosa canção de Bob Dylan ao acabar de ler o último comentário da Ana Matos Pires. "Quantas mais vidas de jovens serão necessárias perder para percebermos que já se perderam vidas demais?" (tradução livre...). E gostava de deixar aqui uma mensagem para todos os meus colegas médicos, e aos ginecologistas e obstetras em particular. Não é uma mensagem "técnica" nem especialmente bem sistematizada. Antes de mais é uma mensagem simples mas franca.
Há fundamentalmente duas razões para se votar Sim no dia 11 de Fevereiro:
1) fazer parar o aborto clandestino e as mortes e sequelas dele decorrentes;
2) entendermos que a mulher tem uma palavra a dizer e o direito de decidir no que diz respeito ao seu próprio corpo e à sua vida futura.
Poderão existir divergências de opinião em relação ao ponto 2) mas não é admissível que, enquanto médicos, fechemos os olhos aos crimes que se vão praticando diariamente, aos quais uma alteração da lei poderia pôr um ponto final, o que reporta para o argumento apresentado no primeiro ponto.
Uma alteração da lei (se ela se concretizar) implicará alterações nas atitudes e no funcionamento de muitos médicos. Mas mesmo que a lei seja alterada é preciso mudar as práticas no nosso cantinho a que chamamos Portugal. Aquilo que preconizo é muito simplesmente o resultado da minha experiência no terreno, das consultas com adolescentes, das consultas de contracepção e de interrupção de gravidez (as minhas únicas escolas). A pouco e pouco, mas com passo firme, teremos de aprender a considerar a mulher menos como uma "doente" a quem podemos pôr um rótulo "diagnóstico" e prescrever um tratamento seguro e eficaz, e mais como um ser humano complexo com uma história pessoal e conjugal únicas (como são todas as nossas histórias pessoais), crenças, conhecimentos e lacunas próprias. Nesse sentido o nosso papel de médicos é mais de "acompanhamento" e informação, chamando a atenção para incoerências fundamentais e contradições mas dando sempre à mulher a última palavra sobre o seu destino, o seu "tratamento". De certa forma é aceitarmos que o nosso papel é "modesto" mas essencial no seu acompanhamento. É, também, o de reconhecermos e de darmos a entender às mulheres que, em última análise, elas são responsáveis pelas decisões que tomam e que depois têm de assumir.
Para terminar gostaria de acrescentar que "ninguém está sozinho" e que como profissionais que somos, interessados antes do mais no bem estar dos nossos "utentes", também poderemos, e deveremos, olhar à nossa volta para os nossos colegas que estarão certamente lá (pelo menos alguns) para nos ajudar a passar por todas estas transições...
Contem comigo, Ana Lourenço.
Proposta
Especialmente aos compassivos que votam Não
mas querem,
logo no dia seguinte,
apresentar legislação que despenalize a IVG.
Ao dr Castro Caldas, À Dra Matilde, à dra Carneiro, ao Dr Marques Mendes et al.
Eu voto sim exactamente pelas vossas razões. Acho inapropriado criminalizar as mulheres que, naquelas circunstâncias, não querem ser mães.
Mas concordo com os vossos Padres e Psiquiatras: alguma culpa deve existir. Alguma culpa deve ser expiada. Algo deve persistir no Código Penal como dissuasor do Dr. Aguiar Branco.
Assim declaro que logo no dia seguinte à vitória do SIM, apresentarei nos lugares competentes, propostas de legislação que punam até três anos de cadeia os presuntos responsáveis dos factos em causa. As mulheres indicarão À Comissão de Acompanhamento o nome do indivíduo que participou com os gâmetas masculinos e, apurada a verdade, aplicar-se-lhe-á a pena constante do artigo 140 do Código Penal que passará a ter a seguinte redacção:
O responsável pela gravidez da mulher que der consentimento ao aborto ou se fizer abortar é punido com a pena de prisão até três anos.

A rua comeu-me.

Nem o calor.
Durante o restante percurso repeti “Je t'embrasse! Je t'embrasse! Je t'embrasse!”.

Insistentemente regressei.
os fundamentalistas do não compensam o seu desamor pelas pessoas existentes com a proclamação do amor por princípios, dogmas...
A palavra decisiva
O Prof. J.L. Pio Abreu, psiquiatra e professor da Universidade de Coimbra, envia este importante artigo. Venham mais!
Nas discussões sobre o próximo referendo, raras vezes tenho ouvido a decisiva palavra: amor. Tenho ouvido, sim, sobretudo pela parte dos adeptos do não, um fundamentalismo irracional cheio de zanga e intolerância, um desprezo punitivo pelos momentos mais dramáticos das mulheres concretas, reais e normais. Enquanto olham para os adeptos do sim (felizmente a maioria) como criminosos, os fundamentalistas do não compensam o seu desamor pelas pessoas existentes com a proclamação do amor por princípios, dogmas, seres em potência, não existentes como realidade concreta nem como objectos passíveis do amor das pessoas.
O que mais se vê aqui é desamor. Significativamente, em nome de uma “verdade científica” proclamada por quem nada sabe de ciência e que não sabe sequer que a ciência é avessa aos dogmas, procura a dúvida e tem de ser tolerante. Os adeptos da nova moral biológica esqueceram-se da espiritualidade, caindo paradoxalmente num materialismo simplório: uma célula ou um conjunto delas chega para definir uma pessoa. Não se questionam mais. Nem se questionam sequer sobre o destino que deram aos biliões de espermatozóides ou às dezenas de óvulos que geraram dentro de si.
Aceito que muitos adeptos do não terão passado por experiências decisivas que marcaram as suas opções. Não duvido do seu amor aos filhos que tiveram, eventualmente em circunstâncias difíceis, ou que desejaram ter. Esses filhos, mesmo em potência, têm toda a dignidade humana porque foram desejados. Não é porém o caso de quem se vê obrigado a fazer contracepção ou a interromper uma possível gravidez.
Como psiquiatra, sei que os abortos, espontâneos ou provocados, fazem parte da vida de quase todas as mulheres. Alguns podem passar sem sofrimento, excluindo o trauma e a perda de liberdade que resulta do aborto clandestino, ou o drama de transportar o segredo no seio de famílias conservadoras e fundamentalistas. Excluindo também a culpabilidade gerada nas campanhas para os referendos. Toda a questão é saber se a criança era desejada ou não, e qual o empenho amoroso dos pais que, por vezes, já tinham um nome para ela. Neste caso, tratava-se de um ser humano, fosse qual fosse o tempo de gestação.
Nem sempre é assim, e muitas gravidezes iniciais nem sequer são percebidas, se não negadas. Existem mesmo gestações destinadas à adopção (embora uma mulher que prossiga uma gravidez a termo possa criar, por vezes desesperadamente, laços com a criança que vai nascer). Mas se não for a mãe biológica, alguém que encontre a criança irá ter compaixão e amor por ela, e será esse o seu verdadeiro nascimento como pessoa. Sem isso, nem sequer sobreviveria.
O que dá o estatuto humano ao novo ser, seja ele um recém-nascido, feto ou ser em potência, é o primeiro acto de amor para com ele. Curiosamente, é essa a grande verdade que o ritual religioso do baptismo nos ensina.
J. L. Pio Abreu
Psiquiatra, Professor da Universidade de Coimbra
Publicado por Joana Amaral Dias no Sim no Referendo
via Sim no Referendo
doação
Não prego toadas, abro as portas escancaradas à luz cerrada e doo o corpo aos desígnios da noite pesarosa.

quero o silêncio das línguas cansadas
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
e nada mais
Casa no Campo, Elis Regina
pôr-de sol na Fortaleza de Sagres :)
respirar o mesmo ar
Dizer adeus

photo: The river, Jan Saudek
1962