vivia muitas horas fora do serviço. as horas fora de serviço dele eram horas fora de personagens inventadas, fora da sua vida oficial. ela recuara da vida oficial havia longos anos e refugiara-se num beco velho e branco e amarelo e fuschia. ele era um refugiado instântaneo que voltava sistematicamente à norma. (os dias e as horas eram incertos - assim que obtinha liberdade, ele enviava bilhetes a pedir autorização para as visitas) ela tinha rosetas. ele era encardido da face. ela dizia quantos anos vivia a cada vez que acontecia a troca de sentimentos nutridos e ele estirava os lábios. por vezes, ele distraía-se e deixava alastrar pela sua face algum rubor de vida. e ela sentia. aí, ele subia a um palanque de almofadas improvisado e dizia vida vida vida. ela ficava estendida na preguiça a olhar e a ser feliz. passavam muitos tempos a comer, comiam tudo e com muita força. sem normas, ela nunca quis saber o que estava do outro lado do portão que encerrara nos longos anos que antecediam este texto. ela não queria saber daquilo que, na verdade, não existia para além - ser feliz por períodos entre a legitimidade das normas não é condenável. é a legitimidade própria. - era feliz e sabia a segurança do segredo. o segredo tinha tanta força quanta a vontade que mantivessem daquela felicidade. um dia, ela reparou que a palidez da face dele tendia cada vez mais a um tipo de amarelo pouco sol. repudiou esse reflexo. era dele, para ele, não para ela. mostrou, convicta, que não queria tais sombreados. conhecia as cores de boa fé que havia escolhido há algum tempo. não demorou, içou a singela âncora e disse que era tempo de ele não regressar mais àquele beco. beijou de longe a face dele, pois o cuidado com o carinho era um dos seus bens. ele pôde continuar sistematicamente. ela pintou mais paredes fuschia e o chão de outras cores. é evidente a evidência desta história sem moral.
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