Pudesse eu escrever-te um poema a cores.
Todo o meu coração é a preto e branco,
bem sabes, embora recuse fazer do desespero
um brinde aos dias comuns.
O meu desencanto prescinde dos bons empregos,
atrás de secretárias a martelar teclados.
A actualidade. No sangue corre-me o tempo
do cinema mudo. Não envio arranjos de mágoas
ao domicílio, nem adorno com laços de prata
e papel celofane os sorrisos que não tenho.
Também não anelo fumos e coisas assim.
Enoja-me o gosto da ruína pousado sobre as mãos,
como se a ruína fossem natas escorrendo no pudim.
A ruína não é coisa que se traga a tiracolo.
Não é broche. É mesmo ferida interna,
das que não coagulam nem com os poemas a cores.
Desconfio que a tristeza não seja o nosso maior problema.
O mesmo não direi das casas incendiadas,
do céu baleado, da gasolina que nos enxerta os rins.
Talvez conseguíssemos uma muralha de pétalas
se nos propuséssemos espinhos. Nem sempre 1+1 são 2.
Ambos sabemos isso e muito mais.
Desenhar-te-ei um botão de rosa no umbigo,
uma corola em cada mamilo, um pé de salsa nos lábios.
Só para cheirar, amor. Só para cheirar a morte.
Henrique Manuel Bento Fialho in A Dança das Feridas
edição de autor, Colecção Insónia
2010
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