sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

quem faz aninhos hoje, quem é? MiM!


dos meus blogo-aniversários: ~ 2005 ~

a minha avó, a minha mãe e eu


É inevitável, não vale a pena pensar, não vale a pena não pensar.
A todos os 23 de Dezembro acontece a mesma coisa. Acordo, abro os olhos e umas poucas lágrimas tímidas caem.
Lembro-me dela.
Maria de Jesus Ferreira.
A minha avó velhinha.
Conheci-a quando tinha 4 anos, é uma história de amor à primeira vista.

Maria de Jesus Ferreira não foi à escola, costureirinha, casou, foi viver para uma aldeia longe da sua, teve seis filhos, 3 rapazes e 3 raparigas. Viveu traições, viveu a Poliomielite duradoura do seu filho A. (meu pai), viveu a esquizofrenia do seu filho J., viveu a morte da sua filha mais nova, aos 9 anos, viveu. Era uma mulher profundamente triste à qual era possível ouvir gargalhadas sonoras em momentos de fino humor.
Com a minha avó aprendi os silêncios. E o sorriso após o silêncio.
Brincávamos, organizava baptizados às minhas bonecas, fazia-lhes vestidos, aliás, fazia o enxoval todo, ainda tenho a colcha e os lençóis que me fez. Fazíamos romarias a fingir. Levava-me para o jardim de rosas que tinha no meio da vinha e ajudava-me a fazer ramos para a minha mãe. Apanhávamos figos, também para a minha mãe. Gostava particularmente quando ela fazia pão com sardinhas na casa do forno, ou quando fazia cevada na bilha de barro, ao lume, e lhe punha uma brasa dentro. Eram dias seguros e felizes.
Às vezes, pedia-lhe para me mostrar as coisas da tia. Uma espécie de memorial para a sua filha morta. Lá íamos, com o ar solene devido ao momento. Desfazia os laços brancos que encerravam cada um dos saquinhos e ia-me explicando… os livros da escola, as botas, o vestido da primeira comunhão, a ardósia. Sorria. E ficávamos em silêncio. As mãos dela voltavam a fazer laços, cuidadosamente. E ficávamos em silêncio.
A minha avó dava-nos a bênção.
A minha avó fazia-nos sentir, a cada um, filhos e netos, que somos especiais, mas nunca nos fez sentir que somos os mais especiais. Nunca tive ciúmes dos meus primos e estou certa que o mesmo aconteceu com eles. Não convivia na aldeia, nunca se lhe ouvia comentários sobre as vidas alheias.

À medida que fui crescendo, fui, naturalmente, percebendo a vida dela enquanto, eu própria, mulher. O meu amor por aquele ser cresceu sempre.
Quando a vida me contrariava, fugia para ela e agarrávamo-nos as mãos uma da outra, em forma de conchas.
Comecei a usar carrapito para poder parecer um pouco como ela. Nunca deixei de ter uma saia plissada no meu guarda-roupa. Quando ia lá a casa, pedia-lhe sempre para me mostrar o seu xaile. Um xaile enorme, azul-escuro, de pelúcia. Está aos pés da minha cama e, nas noites de desalento, é o que uso para combater o frio interior. Outra coisa que calhou em partilhas ao meu pai foi a sua cómoda do quarto, que agora habita o meu quarto. Nunca consegui raspar um pouco de cera que fosse da cómoda, porque no dia em que decidi fazê-lo ao retirar o papel duma das gavetas dei com escritos a lápis onde se lê, em caligrafia de criança - Maria do Céu - o nome da sua filha morta, saberia a minha avó que aquilo estava escrito ali? Arrumei as minhas ferramentas de restauradora de móveis.
Um dia, o telefone tocou e eu ouvi as palavras - a avó morreu. A avó morreu. No simbólico dia da mãe de 1999. A avó morreu.
Pus as minhas mãos sobre as dela, mas eram frias. Pus os meus lábios sobre a sua pele morta. Fria. A avó morreu.
A dor encravada.
Já não posso estar com a avó velhinha sempre que quiser.
Quisera que a minha avó vivesse para sempre.
Como todas as crianças que gostam de ouvir histórias sobre a sua existência, eu gostava quando me contava sobre o dia do seu 60º aniversário, o dia em que lhe nasceu esta neta.
É hoje, o dia do nosso aniversário, fiz um carrapito, vesti a minha saia plissada. Comecei o dia triste, pensando fatalmente que o máximo que posso fazer é contar um pouco sobre quem foi essa mulher e pôr flores brancas sobre um túmulo de mármore preto. Talvez seja. Voltei atrás, antes de sair de casa, soltei o cabelo e vesti as eternas calças de ganga.
Falei com a minha mãe - agradeci-lhe a vida.
Neste momento, sinto-me cheia por dentro, por ter o privilégio de ser neta de Maria de Jesus Ferreira e filha da Ilda Simões da Graça Ferreira da Cruz.

Vontade de ser barco ou de cantar. [E. de Andrade]

para ti
para nós
Namoro em Viagem

Faço a barba para amanhecer contigo numa sociedade secreta
com os cheiros e a electricidade de uma madrugada de fronteira
em que o dia parece despertar apenas para marcar a mudança de país
no mapa viário do nosso amor incomum às estradas de turismo
e tomarmos o pequeno-almoço num parque de estacionamento
com velhas carrinhas de caixa-aberta carregadas de alfarroba
e outras vagens cheirosas como as tuas mãos
essas mãos que tangem novenas ao volante deste tempo
em que o presente apenas se adivinha para lá da humidade da manhã
desta cordilheira marítima
quando os céus se abrirem sobre uma baía
e houver tabacarias vendendo marcas de cigarros inusitadas
e sorrisos e serenidades e seriedades com águas-de-colónia baratas
que inspiraremos como se fossem as essências do mar e da liberdade
finalmente reveladas aos homens por motivo de estarmos em trânsito
e não sabermos quanto custará a próxima dormida
e o que fazer com as moedas dos países que vão ficando para trás
à medida que as tuas calças de ganga vão ficando impregnadas de ervas
e pedras das montanhas
à medida que eu vou ficando por toda a parte em postais sem sucesso
amarelecidos por doze solstícios e outras tantas impressões digitais
à beira do fim das férias pequenas de gente loura ou reformada da vida
daquela que guarda apenas uma cicatriz no polegar direito
de tudo quanto fez e não conta para a folha de serviços emprestados
aos prestidigitadores da velha economia
que nem imaginam como São Judas Tadeu nos veio varrer as costas
que haviam limpo cotão cinza e cabelos debaixo da esgotada cama de pensão
cujas molas riam do nosso riso do riso dos do quarto ao lado
ou como tudo começou num anúncio radiofónico
aos incríveis preços de antenas parabólicas do tamanho de pratos de sopa
quando àquelas horas fora impossível comer fosse o que fosse
embora eles como nós calcorreassem quarteirões e estátuas
e esquadras de polícia
e tudo isso antecipasse uma manhã tão desejada quanto esta
com as rodas da mala rangendo de novo sobre o passeio
e a lufada quente de uma pastelaria de subúrbios
incapaz de dizer que não às azias de outros pregoeiros
de auroras sem pêlo nem pele nem tacto nem tudo
o que faz o nosso primeiro olhar um para o outro
e para lá das gelosias de madeira e tinta verde tornada quebradiça
por todos os invernos desde que Picasso regressava a casa de calções
encharcados pela água das poças em que fizera rodar um aro ferrugento
como as noras que fazem correr os rios.



Namoro em Viagem II

Voavam então as pétalas lilases
das árvores sem nome
raízes de sangue
ocre de areia meio argila
como as barras das casas
do Alentejo atlântico.
Corria então o vinho
branco ouro tinto veludo
manchando círculos celestes
no pano hospitaleiro
fumegando dos chocos tresmalhados.
Iam-se então as roupas
à luz dos corpos
lençóis de pele
estendida sobre os arcos de um sorriso.
Ninguém diria então que o mar do vento
não era uma piscina em gestação.
Calavam-se então os esgares humanos
dos cães rastejando ao inusitado
dos cães humanos recusados.
Num passe de dança então improvisado
1080º apoiados no ar
levantámos ferros cortámos amarras
- nem sede nem fome nem amores nem ódios -
e partimos voando
entre pétalas lilases.
De caminho encontrámos formas nunca vistas
noções de sentir
sem pensar sem parar
veloz era o movimento de estarmos quedos
o reverso do luar
prostrando os olhos.
Havia então havia a salamandra
rindo a bandeiras despregadas
sobre a talha dourada da moldura
que abraçava tantos continentes.
E um cágado um anjo
de guarda-pó cinzento
distribuindo milagres
às mãos mais retalhadas
e o bezerro-capote
correndo as hortênsias.
Surgiu então surgiu o escuro
infinitamente negro
sem limites
ele próprio a fronteira das fronteiras.
Acordámos depois dois vultos de sangue
indistintos aos olhos
da madrugada lenta.
Ao abrirmos a porta a janela a escotilha
fomos recebidos saudação no chapéu
por cães imaculados em fardas de mar
comodoros do sonho de dobrar os cais.

por Miguel Martins

[ o abismo que me dói nos cardos deste sol de morte viva ]

Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
(O soneto que só errado ficou certo)




Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.


Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guia
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.


Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.


Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva




José Gomes Ferreira


via quem?... lebre, obviamente

birthday & Xmas wishlist time! WARNING: use the scroll bar gently

I, II e III



resumindo, tudo* do (ou sobre o) Senhor...
* em itálico só porque tenho As Palavras e as Coisas

ora, adiante...

+


+
tantos outros livros, tantos! 
e a poesia?... aquele do António José Forte que assinalei há meses,
tudo (ou quase tudo) da &etc,  
eish, nem vou nomear mais
ai...
  e a fotografia? hum? e a arquitectura? enfim...

seguindo, para bingo!
+

+





e mais isto, que estou a precisar muito-muito :/
 
muito disto:

and, the last but not the least:


tenho aquela sensação de me ter esquecido de alguma coisa, 
mas creio que este sortido já pode auxiliar a eventuais indecisos, sim?

qualquer dúvida... estarei disponível para esclarecimentos 
(não hesitem em procurar-me, não incomodam)