Lembrei-me que existi antes
disto tudo. Perdi o tacto
dos tempos em que não lidava
com o padecimento nas mãos
nos olhos e no pescoço. Na palavra
dor colocamos tamanhos sobressaltos
e desalentos. Tantas vezes enredados
na lufa-lufa das paredes brancas
passamos a existir como se esta fora
a primeira vida. Os dias galgam-nos
violentamente e já estamos enredados.
Poucas vezes acordamos para a investida.
Perdemos as outras verdades.
Hoje não há poemas em mim. Hoje
há tábuas duras a raspar-me
a genica para dentro do poço.
Há uma súplica.
Não me posso confessar.
Encontro-me numa estrema circular.
Receio tombar. A diferença
entre um poema e um rosto
gelado é o meu abismo. E eu
fico aqui parada como se pudera
parar. Talvez eu nunca tenha
existido antes da dor. Digo
lenga-lengas que escondo
nesta coisa de proporção infernal.
Sem fugir das perguntas,
mudo-me na verdade. Hoje
é o dia seguinte
e volto a existir. Engasgo
esta fraqueza com músculos duros
e ponho um pé à frente
do outro pé nesta sequência
descuidadamente atenta. Distrair
a mente é o recurso após a escrita
desta mágoa.
Saio destas palavras
e vou ao encontro imediato
da íntima distracção
num fôlego.
4 comentários:
brutal!
gostei muito mesmo.
gosto de ti.
ficar sem palavras,
com estas tuas palavras
*
eu sabia que voltavas à poesia, eu sabia. -_-
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