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mulheres partilham monólogos

Eufémia conseguira manter-se fiel durante quase 5 anos, tinha um certo orgulho por se aproximar esse aniversário – as bodas de algodão. Pronunciava em voz baixa bo__das__de__al__go__dã____U e sorria ao fazer a retrospectiva da sua relação com H.. No primeiro encontro chegaram a vias de facto, pelo que imediatamente estabeleceram as conformidades da sua relação, seria de facto, e assim era há já 7 anos, 3 meses e 19 dias. Eufémia tinha feito o curso básico de triagem de envelopes C6 e DL com Lúcia, trocaram contactos na altura. quando Eufémia se deparou com a possibilidade de infidelidade lembrou-se de Lúcia, era uma pessoa isenta do seu círculo social, pensou que ela poderia ser imparcial ao aconselhá-la pois não conhecia os envolvidos na história que lhe abalava a integridade moral. Enviou-lhe uma carta através do correio interno num envelope modelo 15. Lúcia, eficaz como sempre, respondeu-lhe de imediato mas a sua escrita era quase imperceptível, Eufémia sentia-se cair numa teia de cada vez que tentava descodificar a caligrafia de Lúcia. À primeira leitura sentiu-se apedrejada: Querida, não te pergunto se esta carta te encontra bem porque já percebi que encontraste o egoísmo. Quem no seu perfeito juízo poderia ponderar a hipótese de deixar um homem como o teu, por causa da impressão que lhe causa as mãos de outro? À segunda leitura sentiu compaixão pelo seu dilema: (…) porque já percebi que encontraste a angústia. Quem no seu perfeito juízo poderia ponderar a hipótese de adorar um homem como o teu, por causa da impressão que lhe causa as mãos de ouro? Eufémia afundava-se a cada leitura, não encontrava uma ordem coerente para a acção a adoptar nos seguintes episódios deste melodrama: (…) encontraste o êxtase. Quem no seu perfeito juízo poderia porfiar a hipótese de deixar um homem como o teu, por causa da compressão que lhe cansa as mãos de outro? A folha de papel onde Lúcia escrevera esta carta já se encontrava em mau estado de tanto ser lida, dobrada e desdobrada, inclusive comprara um bloco de notas para não se esquecer das suas conclusões a cada interpretação, desenhara uma linha ao alto para ter uma coluna de significados, pois a cada leitura havia palavras que Eufémia nunca tinha lido mas que constavam no dicionário e não queria correr o risco de se esquecer de alguma delas. As coisas complicavam-se, Eufémia já não conseguia pensar em nenhum dos homens, a carta multi-interpretável de Lúcia tornara-se num quebra-cabeças que não deixava espaço para mais nada na mente de Eufémia. Não aguentou mais, ligou para a telefonista e pediu uma chamada privada para a estação de Estrasburgo, ao que a telefonista tentou alertá-la para o facto de que se era para uma das estações da rede a chamada seria em serviço e não pessoal. Eufémia insistiu, era para a rede mas não em serviço, a telefonista fez a ligação, contrariada, libertando um você é que sabe, não vai ficar barato, Eufémia nunca pensava que “você” é estrebaria. A ligação estabeleceu-se (neste momento seria útil lembrar as reticências utilizadas n’A Voz Humana de Jean Cocteau) e Eufémia debitou a sua mente: quando era gaiata, mas não tão gaiata assim, queria amar os homens todos, “queria” não! Amava-os, ouviste? Amava todos os homens. Porque mereciam o meu amor, quem no seu perfeito juízo não ama um homem que olha para si? E fiz bem, ouviste? Fiz muito bem. Fiz bem quando abri as pernas ao H. no nosso primeiro encontro. E não serás tu a pessoa que me vai explicar porque se tem de esperar pelo terceiro encontro para o fazer. Ouviste? Se um homem olha para mim o mínimo que lhe posso fazer é mostrar-lhe que ele é amável, que pode ser amado por qualquer mulher e por todas as mulheres. Ouviste?! Ninguém merece ser amado, ser amado é um direito. E ninguém está aqui a falar de amor. Não foi preciso uma carta ridícula como a tua para eu perceber que no meu perfeito juízo amo o H., ora essa! Sabes lá quem sou, de que massa me fiz. Ouviste? Eu sei, já sabia, o que ia fazer. Queres que te diga? Ouve, com atenção, a minha fidelidade vai comemorar as bo__das__de__al__go__dã____Uuuuuu. Ao prolongar o /u/, Eufémia ouve do outro lado da linha algumas reticências em francês, proferiu um gago e interrogativo "Lúcia" seguido de Eufémyá de PoRtugál. Afinal não era a sua amiga do outro lado da linha, esquecera-se da intermediária telefonista, homóloga da sua colega “você”. Esperou cerca de 5 minutos acalmando ao som d’As quatro estações de Vivaldi, as cordas interromperam e ouviu-se Eufémia?! Querida! Antes de mais, quero desculpar-me por não ter respondido à tua carta, sabes que tenho pouca prática de vida, não sabia o que te dizer. Não tenho andado bem, não tenho andado mal. Lembras-te, claro, do J.. Acontece que nesta minha vida futura morri.___________Não deixei de ler, se não lesse teria de beber.__________Houve dias em que enlouqueci.___________Não me esqueço da cara dele, é a cara que trago da vida verdadeira.______________Tenho de continuar a ler para sentir que o não atraiçoo.________Não sei que te dizer sobre H..___________Não me conformo de ter dito que não havia alguém especial. (neste momento seria útil lembrar o som de fim de ligação)

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